Como é bom perder e não ganhar a vitória que não conta

17/04/2018 às 21:08.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:23

Mário Rosa

Tive tantas derrotas nos últimos tempos. Derrotas pessoais. Derrotas humilhantes. Derrotas que no passado me deixariam em pânico só de imaginar. Mas isso foi antes de perder. Porque imaginamos as derrotas antes de experimentá-las e aí reside grande parte da angústia. Pode parecer auto consolo, mas como foi bom perder! Como perder me fez bem! Nunca me senti tão bem sucedido como um malsucedido. Eu me orgulho muito mais de algumas derrotas que tive do que de algumas vitórias que enxergo por aí.

É clichê falar do caminho de Santiago. Mas a imagem dos peregrinos que resumem todo nosso ímpeto de acumular e acumular e acumular tudo e qualquer coisa e, por causa da caminhada, resumir a vida ao essencial, resumir a vida ao que caiba na mochila - essa é sempre uma bela imagem! E a tendência tantas vezes relatada de que os caminhantes, ao longo do trajeto, ainda assim vão se livrando do excesso que possuem na mochila para atenuar o peso que se torna insuportável na medida em que avançam os quilômetros, tudo isso mostra que vamos nos livrando, nos depurando, dos excessos daquilo de que não precisamos - e que a “caminhada”, a vida, é um processo de busca de simplificação, de tornar mais leve o nosso caminhar, de tirar os pesos e deixá-los pelo caminho.

Portanto, não há perdas. Há depuração. E muitas vitórias são ganhos de sobrecarga, aumento de pressão, algo que pode inflar egos e despertar triunfos momentâneos, mas haverá sempre o risco de arquear os ombros e pronunciar a corcunda na medida em que o tempo passe. Então, vamos festejar nossas derrotas e vamos lamentar vitórias que podem ser efêmeras e vãs. Como no atletismo, na existência o que importa não é o resultado. O que importa é competir.


Quando eu era um vitorioso, eu adorava a adrenalina do resultado. Mas isso me consumia tanto, meus olhos estavam tão vidrados para dentro, para tudo que tinha de ver dentro de mim para dar conta das vitórias que precisava vencer, que não podia olhar nem gozar o sabor do que vivia. Porque não vivia. Ou pelo menos não vivia o que eu vivia. Vivia mentalmente enquanto meu corpo habitava o planeta. Era uma forma de viver e não a renego. Mas tudo tem seu preço; não só as derrotas. As vitórias também. As vitórias às vezes não tem sabor, não tem cor, não tem som. Não tem volume. E alguns vitoriosos vivem num vácuo: o vácuo da vitória. Venceram. Mas são seres incolores, inodores, insípidos e (sem som). São fantasmas vivos, festejados pelos seus feitos por fora, mas defuntos por dentro. Eu já fui assim.

Até que eu morri. E perdi. E sofri as derrotas mais acachapantes. Foi pior do que o 7 a 1 da Alemanha. Fui derrotado de todas as formas, humilhado, perdi, playboy! E como foi bom perder! Porque perder pode nos deixar vermelhos de ódio ou de vergonha, mas recuperamos alguma cor. Pode nos fazer chorar, mas recuperaremos algum som. Pode nos deixar amargos ou nos adocicar, mas recuperamos algum gosto. Pode nos fazer beber e vomitar, pode nos fazer borrifar perfumes para buscar um ombro no meio da solidão, mas recuperamos um cheiro!

Ah, junte-se a mim. Deixe os vitoriosos de lado e venha compor a legião dos derrotados. Que a derrota nos una e que caminhemos sobre ela. E que tenham pena de nos. E que lamentem o nosso triste fim. E que as hienas, nervosas, fiquem desesperadas só de imaginar nosso caminhar em direção ao tablado em meio à praça. Vamos como aqueles que rumavam até o patíbulo para o espanto, pânico e regozijo da choldra. E quando colocarem a corda sobre os ombros, ouviremos um “ohhhhhhhh” longínquo e difuso. E sussurraremos com o carrasco para que nos dispense o capuz. E então olharemos os vitoriosos. E ouviremos o alçapão se abrir. E um torpor estranho irá tomar conta dos nossos sentidos. E tudo ficará embaralhado. Estaremos livres. Os vitoriosos não.


Jornalista e consultor*

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