Corrupção e conveniência

17/03/2017 às 20:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:47

Aristoteles Atheniense*

O símbolo do político brasileiro é a contradição. Esta torna-se aceitável sempre que houver interesses em conflito. O que antes era repugnável ou tido como infração ética, dentro de pouco tempo passará a ser um fato normal, dependendo do reflexo que a sua interpretação possa gerar.

Durante o processo do mensalão, a ministra Cármen Lúcia foi incisiva ao afirmar que o caixa dois era crime, não comportando interpretações sibilinas nem sofismas jurídicos que o legitimassem.

Há muito, passou a ser utilizado o refrão empregado pelos que são alvo de delações, correndo o risco de cair nas malhas da Operação Lava Jato: “Todas as doações da campanha foram declaradas oficialmente à Justiça Eleitoral”. Portanto, “nada a declarar”, a exemplo do que ocorria com o ex-ministro Armando Falcão nos anos de chumbo.

Com a recente decisão proferida pela 2ª Turma do STF, prescrevendo a abertura de inquérito contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), os valores declarados oficialmente à Justiça Eleitoral não comprovam a licitude dos valores recebidos, nem a idoneidade do candidato beneficiado.

Mas, na concepção de Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE, “corrupção pressupõe ato de ofício, alguém pode fazer a doação (por caixa dois) sem ser corrupção”. O que só ocorreria se a “doação fosse feita com o intuito de receber em troca alguma ação do receptor”.

No seu juízo, o normal dos candidatos “é pedir doação, não pedir doação por caixa dois”. Assim, se o candidato concorrente obteve ajuda, então o adversário poderá sustentar ser lícito que ele também seja contemplado.

Por sua vez, FHC, na tentativa de favorecer Aécio Neves, sugeriu a existência de diferença “entre quem recebeu recursos do caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal”.

A avaliação do crime dependerá das circunstâncias. Enquanto subsistirem essas incongruências, continuaremos ouvindo e lendo que nenhuma trapaça eleitoral, por mais obscena que seja, importará em depravação. Basta que o TSE entenda não haver ofensa à lei, dispondo-se a fazer do “preto o branco e do quadrado o redondo”.

Assim vem sustentando o presidente daquela Corte.

(*) Advogado e Conselheiro Nato da OAB, Diretor do IAB e do iamg, Presidente da AMLJ

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por