Greve e Polícia Militar

15/02/2017 às 19:35.
Atualizado em 15/11/2021 às 23:00

Antônio Álvares da Silva*

As Forças Armadas estão disciplinadas no art.142 da Constituição e têm duas finalidades: a) defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais; b) garantir a lei e a ordem, quando convocada por iniciativa de qualquer Poder. É isso que o Exército faz hoje no Espírito Santo: garante a ordem e a obediência às leis.

A Constituição proíbe ao militar a sindicalização e a greve. Ao assim agir, fez grave discriminação contra um tipo de trabalhador. Só porque é militar não pode fazer greve, mas pode exercer função civil de manter a ordem, indo para as ruas, onde está o povo. Quem trabalha tem uma referência em comum: por não ser proprietário dos meios de produção, coloca seu trabalho à disposição de alguém que o dirige e organiza, pagando por isto ao trabalhador. Este “alguém”, esterno à relação de emprego, pode ser quem for: o Estado, a empresa ou a pessoa física. A titularidade de quem participa da relação de trabalho não muda sua essência. Portanto há um conceito universal e abrangente de trabalhador, que nunca deixará de haver, enquanto a humanidade existir, pois nunca teremos uma economia que só tenha empregadores.

A PM do Espírito Santo está em greve. Por interpretação analógica do art. 144, § 6º, da Constituição, armou-se a construção jurisprudencial de que também as polícias não podem fazer greve, mas a greve está aí, a associação que a dirige já está multada e os grevistas estão enquadrados na lei de segurança. 

Se a Polícia Militar tivesse o direito de greve reconhecido, poderia ter assentado à mesa com representantes do Estado para discutir reivindicações. Dariam ambas as partes suas razões. Se não houvesse acordo e a greve fosse a opção, seria ela disciplinada quanto ao alcance, policiamento mínimo, ordem nas ruas, plantões e assim por diante.

Como o militar não tem voz, que foi calada pela Constituição retrógada e conservadora, utilizou-se da força passiva e recolheu-se aos quarteis ou neles não entraram, impedidos pela a guarda de suas esposas. E agora? O único caminho é o mesmo que já deveria ter sido percorrido no começo do movimento, para que as duas partes usem do diálogo e se entendam. Só depois então é que viriam medidas repressoras, se o combinado não fosse cumprido.

Dizer que a Constituição proíbe a greve de militar é muito fácil. Basta saber ler. O problema é ter olhos agudos e inteligência suficiente para ver o que está atrás da proibição arcaica e superada e saber que a necessidade, quando extrema, não conhece a legalidade. Parte-se então para as soluções de violência nas quais todos saem perdendo.

A polícia grevista vai ser processada por motim, crime previsto no Código Penal Militar. Se os militares forem condenados à prisão e perda do cargo, quem pode prever o que pode acontecer? Diálogo não é palavra mágica, mas resolve muita coisa no estado democrático de Direito. A História humana já aprendeu muito com ela. Chegou a hora de nós também assimilarmos a lição.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG
 

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