O jornalista e o tempo

20/09/2017 às 14:36.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:39

Ricardo Lima (Frei) 

Tempo e espaço sempre foram aspectos centrais na atuação do profissional de jornalismo. O que acontece, de certo, acontece em algum lugar e em algum momento. O tempo de quem precisou um dia utilizar o serviço postal é sentido de forma diferente daquele que a um clique vê sua mensagem lida de forma imediata. Existe a ilusão de que tudo pode ser aqui e agora. O som, as letras, as imagens se transportam numa velocidade alucinante embaralhando nossa própria noção de tempo, que quase já não é medida por minutos ou segundos, mas pelo intervalo entre uma mensagem e sua visualização em algum device. Acontece que o tempo ainda existe. E ele precisa ser melhor compreendido para que não o aceitemos apenas como algo escasso, no limite da extinção. Compreensão necessária para que ele, o tempo, não nos oprima ainda mais, para que não incorramos em uma produção jornalística mecânica, irrefletida, reativa.

As mídias e redes sociais, que direcionam as condições de sociabilidade da atualidade nos colocam em apuros. A todo momento, posts nos convocam a dizer, a falar, a opinar, mesmo antes de entender do que se trata. Uma postagem no Facebook ou num grupo de discussão em alguma outra plataforma, ainda que não tenha direcionamento específico, parece nos obrigar a uma reação rápida, reação em forma de opinião, de declarações que, por falta do tempo exigido pela reflexão, pela razão, geralmente saem como mensagens impositivas, vinda de impressões toscas.

O jornalista não pode repetir, quase mimeticamente, este padrão de ação. Se o tempo hoje se apresenta pouco propício à introspecção e aos procedimentos de análise, precisamos compreender que forma de jornalismo é possível numa época ligeira e online sem perder a compreensão de que este profissional ainda é aquele que se depara com as coisas do mundo, seleciona, hierarquiza e produz entendimento de fatos que comporão a realidade social de uma determinada audiência.

Ao jornalismo ainda cabe a tarefa de revelar as coisas do mundo e suas várias interpretações. Se a velocidade em divulgar uma notícia sempre foi uma obsessão nas redações, tal faceta hoje nos faz experimentar situações constrangedoras com produções que chamo de “jornal palimpsesto”: aquele que pode ser rasurado na medida em que se percebe o erro interpretativo, de apuração, de leitura do acontecimento. Tudo se resolve com um novo texto retificador. Parece que já não causa constrangimento apurar mal uma matéria, frente ao real constrangimento de não tê-la disponível em alguma mídia em sua imediaticidade opressora. Nada contra meias verdades, desde que saibamos lidar e assumir a integralidade das notícias parciais e façamos delas fragmentos de realidade, inventando uma nova forma de tratar o tempo e seus contingenciamentos. 

(*) Jornalista, mestre em História, doutorando em Música e professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Faculdade Promove e Kennedy

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por