Fim do “quebra-galho”

17/02/2017 às 21:47.
Atualizado em 16/11/2021 às 00:35

Milhões de carros mais velhinhos rodam hoje no Brasil sabem os deuses como. Dá para comprar uma destas sucatas sobre rodas, uma “coisa que anda”, na faixa de R$ 1.000 a R$ 2.000. Que seria reprovada na primeira blitz, pois carroceria e suspensão estão fora do prumo, pneus são remoldados e carecas, a parte elétrica está em estado de coma há anos, muita fumaça (e nível proporcional de poluição) pelo escapamento, freios que não freiam, para-choques amarrados com arame, um completo caos mecânico e estético. Circulam pela inoperância das nossas autoridades de trânsito, incapazes de implantar a inspeção veicular, estabelecida pelo Código de Trânsito Brasileiro e atrasada há quase vinte anos. Pelo jeito, vai demorar a sair do papel pois é briga de cachorro grande atrás deste gigantesco faturamento. Tanto que chegou a existir na capital paulista, mas logo surgiram as inevitáveis suspeitas de maracutaia e foi suspensa. E novamente anunciada, para o próximo ano, a fiscalização das emissões dos veículos a diesel.

Os carros que continuam teimosamente nas ruas acabam motorizando gente humilde, que muitas vezes não tinha se aboletado sequer numa motocicleta. Uma transformação na vida do profissional de serviços domésticos: eletricista, pintor, empregada doméstica ou bombeiro que chegavam para trabalhar a pé, de ônibus, bicicleta ou moto, aparecem hoje dirigindo seu automóvel. 

Uma frota de Doginho Polara, Corcel, Brasilia ou Chevette que sobrevive graças ao talento de mecânicos prontos para quebrar o galho.
Se o carburador do Monza ameaça desintegrar-se, adapta-se o do Vectra. Queimou a bomba de gasolina da Brasília? Põe no lugar a da Variant. E assim, de remendo em remendo, arame e Araldite em punho, os malabaristas da mecânica vão perpetuando a existência dessas sucatas. Se um carro nestas condições fosse submetido a uma inspeção, exigiria o dobro ou o triplo de seu valor para se enquadrar nas condições legais de circulação. 

Enquanto estas velharias de 30 ou 40 anos rodam caindo aos pedaços, no primeiro mundo eles mal chegam a comemorar o décimo aniversário de fabricação. Primeiro, porque vários países estabelecem uma classificação tributária contrária à nossa:ao invés de reduzidos, os impostos aumentam com a idade. No Japão, por exemplo, é quase impossível rodar com um carro acima de cinco anos de fabricação, pois a taxa anual de circulação torna-se pesadíssima. Outro fator que inibe os velhinhos é a inspeção veicular a que são obrigados a se submeter anualmente. Finalmente, o elevadíssimo custo da mão de obra que torna inviável as constantes idas e vindas à oficina. 

Entretanto, a eletrônica que tomou conta do automóvel está interferindo nesta perigosa e surpreendente longevidade dos automóveis em países de terceiro mundo. Como? Modelos mais recentes, mesmo básicos e baratos, já aposentaram carburador, distribuidor e contam com injeção eletrônica de combustível. Quanto mais sofisticada a versão, mais a eletrônica marca presença.

Esta nova tecnologia aumenta a confiabilidade, segurança e desempenho dos carros, reduzindo consumo e poluição. Mas, por outro lado, traz um obstáculo em termos de manutenção: impede que os mecânicos, por mais talentosos que sejam, consigam “quebrar o galho” de uma injeção eletrônica pifada. Ou de um câmbio automático travado por um chip queimado. Seu reparo  exige equipamentos tão sofisticados quanto eles próprios.

Oficina sem computador e o software específico do  modelo dificilmente terá condições de corrigir um problema relacionado com a eletrônica. Presente hoje em todos  os sistemas mecânicos do automóvel.

Então, com ou sem inspeção veicular, será quase impossível, dentro de alguns anos, rodar com um carro controlado pela  eletrônica: o custo para mantê-lo funcionando será superior ao de seu valor comercial. Qualquer pane mais complexa significa  seu fim de linha.

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