A arte como panfleto ideológico

19/08/2016 às 16:22.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:27

Há consenso quando se diz que a arte é uma representação, uma leitura contemporânea, feita através de símbolos já conhecidos da sociedade, de aspectos políticos, sociais, momento histórico e econômico de determinados recortes. Disso muitos tiram o que decidem chamar de função da arte. Dentro dessa investigação, podemos partir para o seguinte caminho: a arte tem como dever partir do indivíduo de modo idiossincrático ou reproduzir os padrões?

Quando o momento se revela acalorado, inflamado e absolutamente instável no Brasil, quando se apresenta inconsistência política social, e questões de protesto vêm cada vez mais à superfície, como fica a arte? Pergunto isso não no sentido de pensá-la em sua função, mas sim no modo como é operada.

No teatro, por exemplo. A arte panfletária, que recorre ao absoluto realismo, se repetindo em temas e não trazendo novidades na construção cênica e dramática, qual o verdadeiro efeito além de chocar pela representação da realidade? Em temas espinhosos, por exemplo, como retratar a violência sofrida por um grupo segregado, ou ainda a face golpista de um governo, o melhor caminho é cair na narrativa noticiosa, que leva a realidade ao palco, ou se valer de símbolos?

O noticiário relata diariamente muitas situações degradantes, a população se choca, reflete pela dor, e nunca chega à mudança. O teatro, ao partir pelo caminho oposto, apostando na utilização de símbolos e narrativas que percorram caminhos mais sutis, teria ampliado seu poder de panfletar em causa – não que seja essa uma prerrogativa da construção artística.

A arte deve que ser compreendida como produto atemporal, que percorrerá a posteridade. Sendo assim, quando se tenta atuar de modo absoluto e realista pela individualidade panfletária, o que se alcança é tão somente um registro histórico, nada livre de associações condicionantes.

Ao construir um produto artístico que não negue a própria arte (quanto a atender demandas de mercado), o indivíduo marginaliza sua própria construção ideológica em níveis elevados, de modo a conseguir construir espectros que sobrevoem sua própria individualidade. Muito mais do que representar de modo realista, levantando cartazes e panfletos óbvios, é producente demonstrar contradições entre a percepção real e expressão fiel da realidade.

Talvez seja muito mais valioso para a arte quebrar as grandes verdades eternas próprias de correntes ideológicas, muito mais que criar palco para as mesmas. Através de símbolos, muito mais do que representações realistas, consegue-se alcançar profundidade além do temporal, provocando mais intervenções questionadoras, sem amarras, e provocando questionamentos contraditórios no público. A principal compreensão que nos falta, em meu critério, é entender a arte como forma além da mensagem, não importa a ideologia inserida.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por