A arte não existe para servir ao (seu) ego

24/06/2016 às 19:24.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:02
 (Teatro da Cidade/Divulgação)

(Teatro da Cidade/Divulgação)

É uma barbaridade pensar que a subjetividade artística tem que servir a algo ou alguém. A construção cênica de uma peça teatral, a exemplo, com suas provocações, projeções e processos criativos não serve uma demanda de público. Muito pelo contrário, bebe desta demanda, dialoga com esta demanda. Neste sentido, admite-se que é erro imaginar que o teatro existe para preencher lampejos na forma de um “oásis” na vida maçante das pessoas, quando não aguentam mais sucumbir ao tédio da rotina.

A apresentação no palco não deve ser vista como uma trupe que trabalha em função dos outros. Nunca no sentido de que lhe servem como atração, como diversão, como entretenimento. Deve se perder este sentido de propriedade daquilo que “pagamos” para assistir e o de se pensar que tudo deve seguir uma cartilha atenta à construção moral que nos rege. 

Esta compreensão me remete àquela função artística que atendia os momentos de tédio de reis, imperadores, chefes de estado em suas diversas funções e tiranias. Dali compreende-se que quem tem acesso são aqueles que pagam para que o retratem, que dispensa ouro para que o eternizem, que escraviza artistas para que entretenham. 

A democratização, a rebelião de ganhar o extenso a este cenário rompe com esta compreensão da arte com papel definido e finito. Afinal de contas toda esta repressão também serve de abundante combustível para a criação. Ir ao teatro, portanto, não deve ser encarado como salgado que você encomenda para a festa surpresa da firma: se saber o resultado por antemão, não vá. Não faz sentido a busca nem de quem cria nem de quem o percorre. 

Nestes dias de crise política em que as ofensas voam como flores (ninguém se dá por isso, apenas ofendem, ofendem, ofendem...), a rebelião se voltou de modo absurdo contra a classe artística: vagabundos, mamadores das tetas governamentais (céus, que tetas horríveis), comedores de mortadelas, mortos de fome, esquerdopatas, e diversos xingamentos que por muitas vezes até mesmo compreendo como verdadeiros elogios por partirem de onde partem: que gritem. 

O ódio à arte que questiona, e que jamais sobreviveria por sua existência, veio à tona em forma grotesca. Até então era até interessante curtir o artista pirado para além da lucidez que se tem como forma condicionante, chegar perto dele como se chega perto da entidade, até então era cult mesmo que ele recebesse subvenções “do governo”. Agora é podre, são pessoas sujas. Isso explica muita coisa. Isso explica porque temos um (não)pensamento artístico restrito a uma tela horizontal em que se passam trivialidades dramáticas.

É como exigir que o artista que se admira deva ser como se queira: o artista, vamos lembrar, que é grande porque nós assim decidimos, que é gênio porque nós assim o evidenciamos, que é ícone porque assim nós definimos, veja bem, nada parte dele, não é uma auto definição, como tentam fazer parecer (agora, é claro: antes era cult), aí pega-se, no reverso, e tentamos remontar aquilo que montamos: deve pensar como eu penso, deve compartilhar de minhas ideologias, sofrer das minhas dores e lutar pelo que eu acredito. Resumindo: para o espaço o que ele é, tão grande ou tão pequeno como todos somos. 

Arrenego disto. O teatro, a arte, o artista, nós, tudo isso existe para provocar, sem porquês definidos ou respostas prontas, é justamente o contrário. É uma busca perdida, e assim deve ser compreendida.

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