Don’t pray for Orlando

Ao invés de rezar, repense como você trata as pessoas ao seu redor.

13/06/2016 às 15:22.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:52
 (Reprodução Facebook)

(Reprodução Facebook)

Li uma analogia (perdi a autoria, que me perdoe o autor), que trouxe à tona a revolta de Zé Celso com a morte de seu irmão. Para quem não conhece a história, Luís Antônio Martinez Corrêa foi assassinado por um crime de ódio (sem entrelinhas: um crime homofóbico) com 107 facadas. Seu corpo foi encontrado amarrado nos pés e nas mãos, com um golpe na cabeça, estrangulado e mutilado com 107 facadas. Zé Celso, sabiamente, ponderou: queriam matar mais do que meu irmão. Queriam matar algo que não se mata.

É forte e poderosa esta afirmação. Querem matar algo que não morre. Querem matar algo que não se mata. Quando matam 50 pessoas em um atentado em Orlando (o que para muitos foi apenas uma coincidência ser em uma boate gay, e não um crime de ódio), dias depois do atirador ter reclamado de ter visto dois homens se beijando naquela cidade, o que se tenta matar não são pessoas. Quando se golpeia um homem com 107 facadas a vítima maior não é seu corpo.

Essa violência, quando toma essa proporção, faz emergir à superfície rasa das discussões algo que se combate, em meio a críticas e desprezo, o tempo todo. Porque ela, para além das páginas policiais e noticiários que se atentam quando a coisa é de fato grande, existe diariamente em pequenas e dolorosas doses. Não são raros os casos. A homofobia mata. O discurso homofóbico enraizado no amparo religioso mata. “Deus ama o pecador, mas não o pecado”, mata. Todos os comentários que comemoraram a morte de gays nos sites que noticiaram o massacre de Orlando retratam simplesmente o que quem sofre com essa violência já está cansado de saber: querem matar, querem exterminar, e não existe uma sociedade igualitária.

Toda e qualquer ressalva que se faz em nome de se mostrar uma pessoa não homofóbica “apesar de...”, mata. A verdade é difícil de engolir, dói na consciência, mas é a única versão que existe. Tudo isso mata. Em nome da pretensa “igualdade” que todos pregam existir, e que não existe, muitos afirmam que tratar minorias em risco como diferentes é o que gera preconceito. Isso também mata. Dizer que temos que tratar a todos iguais e não de forma diferente também mata, justamente em função da violência já institucionalizada.

Endossar discursos de pessoas que pregam a violência, que segregam grupos, ou andar de mãos dadas com pessoas que apoiam políticos e religiosos como Bolsonaro, Feliciano, e outros estandartes da intolerância, é sujar as mãos de sangue. Tudo passa por um processo de aprendizado, e nossa sociedade tem aprendido, graças à ganância por poder de um grupo seleto e conservador, a ser homofóbica, que é errado ter direitos iguais, que é errado lutar por direitos, que é errado lutar pela criminalização de crimes de ódio. E o sangue escorre.

A origem de todo este preconceito ganha endosso em cada porta que se diz igreja e ataca os homossexuais. Em cada catedral ou templo que se diz casa de Deus e ataca os homossexuais. Todos que atacam têm sangue nas mãos. Todos engrossam o discurso que reprime, segrega, maltrata e mata. Portanto, Orlando não precisa de orações. Seria, no mínimo, contraditório. Don’t pray for Orlando. Comece mudando sua postura enquanto indivíduo. Orlando, Martinez Corrêa, e os outros milhares de gays assassinados todos os anos por serem quem são não precisam de suas orações. Eles precisam de suas ações. Eles precisam de sua atenção. Nós precisamos que a carapuça seja retirada do rosto com as mãos limpas do sangue de outrora.

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