Clichês sobre torcidas

01/05/2018 às 20:35.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:37

As torcidas de futebol são muito mais similares do que gostariam de reconhecer. Num intuito às vezes inconsciente de “organizar” as coisas, dar certo sentido a narrativas, “achar explicações” vende-se a ideia de idiossincrasias mil: “clube ‘X’ tem apoiadores exigentes, aquele outro possui fãs que crescem nos momentos ruins...”. Assim como costuma ocorrer na esfera individual, cada grupo adora projetar-se como único, original; dono de diversas particularidades.

Fala-se, por exemplo, que o Liverpool ostenta, em seu estádio, uma atmosfera que destoa em meio ao marasmo das arenas inglesas. “You’ll never walk alone”, aquela coisa toda. Estive em Anfield na partida dos reds contra o Porto que fez parte da Champions atual e a predominância dos visitantes na arquibancada chegou a ser constrangedora. A frieza dos súditos de Klopp e Salah transcendeu qualquer desconto que poderíamos conceder – no setor em que me encontrava o número de turistas era absurdo; o sujeito ao meu lado não saiu do celular durante os 90 minutos. Calor local, mesmo, só em um pub, antes do embate. Ali, coros contra Manchester entoavam quase exclusivamente. De forma ambígua, em determinadas acepções: “Oh Manchester, is full of sh*t; Oh Manchesteeeerrr is full of sh*t...”. Um pouco para a cidade; bastante para o United, maior rival – não, não é o Everton. Uma espécie de resposta para o “hino” “Oh Manchester, is wonderful” – o restante da letra exalta o fato de o município ter (supostamente) muitas “tetas”, humor, e (certamente) o United –, gritado a plenos pulmões tradicionalmente em Old Trafford.

Alguém poderia objetar que presenciei uma situação excepcional. Uma noite especialmente ruim da plateia “Scouser” – há uma torta com este sabor nos bares do estádio, vale destacar; é ok. “O confronto estava decidido com a goleada em Portugal no primeiro jogo...”. Em termos, talvez. Totalmente, não. Cerca de dez dias antes estive em Anfield pela primeira vez. Liverpool versus West Ham, pela Premier League. Fiquei na torcida visitante, em meio a seus famosos hooligans – que na semana seguinte invadiram o campo em Londres, diga-se. Gols de Salah, Firmino e Mané, o trio infernal. Um tento anotado pelo ótimo Emre Can. Vitória facílima dos mandantes. Tarde perfeita. Ainda assim, a letargia nas cadeiras repletas impressionou. Tanto é que os cânticos mais comuns vindos dos adeptos do West Ham ironizavam a pasmaceira dos anfitriões. Pelo menos três canções com esta temática fizeram barulho em uníssono e de maneira recorrente: “Isto é um livraria, shhh”, brincava uma delas. “Onde está sua famosa atmosfera?”, questionava, com razão, a segunda. A outra, mais genérica, vociferava: “Seu apoio (ou torcida) é uma mer*da!” – esta também ecoou bastante quando estive em Março no Etihad Stadium na vitória do City sobre o Chelsea por 1 a 0 (e os londrinos realmente tinham motivos para caçoar a omissão quase completa dos Citizens).

Contrariando o senso comum por linhas diametralmente opostas, o clima que saboreei em Old Trafford no triunfo da equipe de Mourinho por 2 a 1 em cima do Chelsea – uma semana antes da citada derrota de Conte para Guardiola –, se não foi digno de um “Mineirão raiz” com 100 mil pessoas, num clássico divido, mostrou-se ao menos considerável. “Bom”, no que tange à animação. A organizada “Red Army” – “firm”, para eles – já gozou de fama planetária por assustar a Europa em suas viagens; tamanho, violência... Noves fora esta faceta, contudo, a torcida do Manchester United, em geral, não tem sido rotulada, nos últimos anos, como “acalorada”, algo do tipo. O que experimentei na peleja em questão? 100% do tempo em pé; todos no amplo setor de Stretford End – eu sei, justamente ali se situam os mais ardorosos, a própria “Red Army”... –, onde me “sentava”, assim se comportaram – cantando com efervescência razoável e constância total.   

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