Físico e psicológico por trás da nossa mediocridade

19/12/2017 às 19:48.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:21

Há diversas camadas que compõem o domínio do futebol europeu de elite sobre o da América do Sul. A principal delas segue sendo a técnica/financeira: seleções mundiais, quantidade exponencialmente maior de craques... Possível também seria falar de uma superioridade tática, intelectual; sem idealizar o que vigora no Velho Continente como um todo, deixando claro que me atenho aqui a um grupo seleto, ao suprassumo de lá, cabe salientar, sim, que a vanguarda no campo da filosofia do jogo, da estratégia, se encontra na Europa. Existe um elemento menos óbvio, pouco falado, contudo – e este se relaciona intricadamente com os dois que já citei –, que também me parece fazer parte desta equação.

Enquanto no Brasil nos acostumamos a adiantar jogadores de origem mais defensiva em nome de times teoricamente “mais consistentes”, na Europa tornou-se extremamente comum o movimento inverso: peças talentosas, ofensivas, em prol das suas equipes, passaram a atuar mais recuadas; com mais consciência tática, participação no combate. A ideia por trás desta concepção é reunir a maior quantidade possível de talentos entre os titulares, sem perder o equilíbrio.

Ramiro no Grêmio; Bruno Silva no Botafogo; Elias no Atlético: apenas alguns exemplos de volantes que, adiantados, viraram meias-ofensivos pela direita – em nenhuma dessas situações, diga-se, penso que dá para falar em erros dos treinadores; mas que elas merecem ser vistas como sintomas de um todo, de um contexto mais amplo, de determinadas carências, culturas...

Numa adaptação por diversos prismas exatamente inversa, eis nomes de armadores, de meias bem ofensivos que, recuados, se transformaram em “volantes” – é preciso relativizar a nomenclatura, por isso o uso das aspas; futebol foge a rótulos das mais incontáveis maneiras; fato é que todos estes atletas que serão arrolados atuam à frente do único companheiro claramente de mais marcação do meio-campo dos seus respectivos times, de modo assaz dinâmico: Kroos, Modric, David Silva, De Bruyne... Em muitos momentos, Pastore, Di Maria e Draxler. No Liverpool, Klopp chegou a utilizar Coutinho assim. Götze no Borussia...    

Em todos esses casos, os talentosos que passaram a jogar mais recuados, de forma taticamente, de certo modo, mais completa, mostraram dois atributos: capacidade física para a concretização de trabalhos mais dinâmicos do que aquele que associamos, por exemplo, aos de meias centrais de um 4-2-3-1, no Brasil – ou simplesmente de armadores clássicos, em geral; de meias que enxergamos como peças de beirada claramente ofensivas... –, e compreensão, disposição para se “sacrificarem”, se adaptarem em benefício do coletivo.

No Brasil não costumamos ficar com nossos jogadores no auge. Temos as revelações ultrajovens, verdes nas mais variadas searas, e os “medalhões” regressos do exterior já no ocaso. Neste ínterim, nossas pérolas usualmente brilham em gramados alheios. Temos um obstáculo, neste fato, para que encontremos meias de qualidade e com fôlego, na plenitude – no que tange à união de vigor e maturidade mínima –, para enfrentarem a metamorfose nesta coluna elogiada.    

Embora compita a uma alçada bem mais subjetiva, acredito que também possuímos mais dificuldades, por nossas bandas, de acharmos figuras com a disposição mental correta para esta entrega coletiva. As nossas estrelas com dom para serem meias – naquele estilo que ainda reina no nosso imaginário, de “10 clássico” – invariavelmente carregam aquela empáfia que grita internamente: “você é o cara; eles marcam, você joga; seu trabalho aqui é só brilhar!”... E neste processo, não raramente acabamos com meros bons homens de ligação – mas não necessariamente talentosos o suficiente para justificarem determinada carência de consistência, e tampouco com a resiliência que os levaria ao papel de excelentes “volantes”, meio-campistas mais úteis para o conjunto.    

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