Imparcialidade? Como não?

05/05/2016 às 07:52.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:16

Em palestras, mesas de debate, papos em Universidades, dos quais participo, uma das perguntas mais frequentes passa por algo na linha: como o jornalista consegue ter a imparcialidade, a frieza de separar seu lado torcedor do profissional? Na medida em que essas indagações se repetiam, surgiam repaginadas, realizadas por pessoas dos mais variados tipos, se tornavam tão recorrentes, quase sempre carregadas no tom de curiosidade, que dava ares de grande feito aos comentários isentos, distanciados, comecei a ficar com a pulga atrás da orelha. Como tanta gente inteligente, preparada, acha tão complicado, um esforço homérico, hercúleo, a simples aptidão de ser racional, de ter bom senso, percepção para não deixar uma preferência em algo essencialmente bobo – torcer por um clube – ficar à frente da honestidade intelectual, do compromisso com verdades muitas vezes tão nítidas? Para mim, a pergunta deveria ser outra. Como não fazê-lo? Como não consegui-lo? Como ser tão bobo, “pequeno”?

Schopenhauer dizia que, intelectualmente falando, o ser humano tem mais dificuldade de julgar do que de raciocinar. Ele continua correto. A vontade, elementos do nosso âmago alheios à razão, na maioria das pessoas, na maior partes dos casos, fazem instintos, ânsias, desejos e fraquezas das mais variadas ordens vencerem a queda de braço com nosso lado mais cerebral, racional.

Em coluna recente, propus o debate em torno do dilema: afinal, a paixão e a rivalidade no futebol pendem mais para o lado da alegria, da poesia, de emoções tão belas quanto indispensáveis para a força do esporte, ou para a ignorância, o esgoto intelectual que frequentemente se vê em redes sociais quando torcedores fanáticos discutem? Difícil dizer. Talvez melhor seja apenas afirmar que é possível, sim, ter um vínculo acentuado com um time qualquer, por ele sentir mais que uma simpatia, com sua equipe viver instantes mágicos, inesquecíveis, da mais plena e genuína felicidade, sem, em nenhum momento, deixar o cérebro em casa, em modo “avião”, de descanso, stand by. 

Pouco chocante apenas para quem conhece bastante a assaz limitada espécie humana, vale dizer, porém, que na prática, são incrivelmente numerosos e baixos os exemplares de pessoas que caem no caminho oposto. O da agressão rasteira por palavras leves, que claramente não “puxam” para nenhum time – e mesmo se puxassem... O da briga com a verdade, com fatos, pela deplorável combustão de pulsões primárias, primitivas, que levam o tico e o teco a fazerem uma precária ligação direta a qual, de modo inacreditável, gera no indivíduo a impressão de parcialidade onde não há qualquer mísera centelha dela, onde nem dando margem para boa dose de ignorância se consegue imaginar um possível gancho para que o néscio tenha pensado as besteiras que depois profere. E tome agressão, desrespeito, diminuição de uma pessoa, crueldade com um indivíduo.

Ver e analisar um problema não é necessariamente estar incomodado com ele. É simplesmente instigante, curioso, interessante apreciar – enquanto material para a filosofia, a antropologia – a baixeza humana na sua mais pura forma, nas redes sociais, em xingamentos a jornalistas e outros torcedores, sem qualquer motivo, por proposições às vezes claramente opostas ao que foi interpretado de maneira tão infeliz que supera o inacreditável. No fim das contas, lembremos, por um time de futebol – e, óbvio, pela limitação ululante. A inteligência e a sabedoria têm seus limites. A ignorância, não.

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