O anti-intelectualismo reina também no futebol

05/07/2016 às 08:20.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:10

Tornaram-se ainda mais comuns, nos últimos meses, certas críticas, diretas ou indiretas, determinadas ironias, de alguns jornalistas, a respeito do que convencionou-se chamar-se de “tatiquês”. Não é possível traçar um panorama geral de todas essas declarações. Algumas delas não passam de brincadeiras inofensivas; outras são críticas saudáveis; e existem também aquelas falas desqualificadas, oriundas de um melindre calcado no desconhecimento – invariavelmente o ignorante se incomoda com a competência alheia e tenta, de algum modo, inverter valores; ridicularizar aquele que sabe; ainda mais típico num país particularmente anti-intelectual como o nosso.

Saindo das teses dos jornalistas; entrando agora na reação do público acerca delas: chega a ser abissal o número de pessoas aplaudindo algumas figuras que, nem tão imperceptivelmente assim, estão chamando-as de burras. Reitero: não são todos os “críticos do tatiquês” que entram nesse rol. Longe disso. Mas alguns deles, junto à galhofa, à diminuição voltada ao profissional que simplesmente entende o jogo de futebol estrategicamente, deixam escapar, como um dos motivos que supostamente abalizariam essa crítica ao tatiquês – que não é exatamente o alvo deles, é bom que se diga, e sim o simples falar de tática –, o fato de o futebol ser um esporte popular e de o público geral não ser capaz de entender as análises sobre estratégias. Sem hipocrisia: claro que muita gente não compreende, em certo sentido. Mas é grande também o número de interessados e de torcedores que entendem, sim. E tudo depende também da forma de exposição, de certa clareza, alguma didática – diferente de didatismo. Além disso, outras questões: até quando a limitação servirá de muleta para a perpetuação dela mesma? O especialista, aos poucos, com jeitinho, não teria também o papel de fazer algo para melhorar o quadro? Enfim... Reflexões as quais volto em outro momento. No frigir dos ovos, queria apenas apontar a ironia dos casos em que a pessoa aplaude aquela que está a chamando de burra – e, óbvio, avalizando a tese pelo menos no que tange a ela mesma... Porque, sim, em algumas situações casos, é isso que acontece na relação texto/comentários em torno do tema aqui descrito; o leitor não saca, não se apega à parte em que, de algum modo, pessoas como ele foram desprezadas; vê apenas a diminuição do tatiquês e, felizão, aplaude o sujeito que, no fundo, também o ofendeu – essas falas dos jornalistas a que me refiro nada têm a ver com críticas verdadeiras, filosóficas/sociológicas, sobre a ignorância humana, o baixo nível intelectual da maioria (são muito diferentes disso; abordo casos bem específicos); caso fossem, as apoiaria; paradoxalmente, os arautos aqui em tela em geral não teriam aptidão para enxergar, nem coragem para proferir esse tipo de proposição publicamente; afinal, populistas, costumam ser do tipo que, no ar, para “agradar as massas”, chegam com platitudes frequentemente distintas do que eles realmente pensam.

É óbvio que entender o futebol somente como fruto da tática, mostra-se um erro cabal. É claro que o esporte bretão vai muito além do 4-1-4-1. É evidente que não se deve superestimar o papel que os sistemas e as estratégias possuem. Sempre, com muita ênfase, gosto de destacar essas coisas. Físico, psicológico, talento individual (para mim, ainda, o principal fator), raça, pequenezas do cotidiano, paixão, arte, drama... São incontáveis os elementos que têm no mínimo uma ínfima participação no sucesso, no fracasso, e na fruição. Inclusive o acaso – diga-se de passagem, usualmente desprezado pela imprensa boleira que, em grande parte, mais do que deveria, acha que possui sempre “explicações”; não, nem sempre; às vezes a bola simplesmente bate na trave...

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