O jornalismo definha

09/04/2016 às 18:43.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:52

Quando o ótimo Spotlight ganhou o Oscar de melhor filme, muita gente propagou: “vitória do jornalismo!”. Infelizmente, não. Triunfou, merecidamente – o que está longe de ser segurança no prêmio da Academia, nem sempre tão afeito à meritocracia –, uma obra competente, sobre um trabalho incrível de um grupo de jornalistas, e uma história tão fascinante quanto revoltante e pouco surpreendente para qualquer pessoa bem informada – pedofilia na Igreja. Racionalmente, não havia qualquer gancho, qualquer perspectiva minimamente provável de que a badalação em cima deste filme resultasse numa onda de revalorização de uma de suas facetas na prática, de um jornalismo mais profundo, compromissado com o lado social, bem trabalhado.

Para quem conhece como anda o meio, inclusive em termos estruturais e financeiros, então. Não deu outra. Ainda em cartaz no Brasil, com temporada estendida devido à bênção da Academia, Spotlight não teve qualquer ínfima influência nas redações. Do mundo e tupiniquins. De impressos, rádios, TVs ou sites. Nada. E isso, ainda mais latente no momento político que vivemos, também vale para o jornalismo esportivo. Para você, que viu o filme, saiba: a média, o normal, o grosso da mídia desta e de outras editorias está tão distante do belíssimo esforço ali retratado que não dá nem para mensurar, expressar em palavras.

Reportagens de fôlego. Longas e extenuantes investigações. Tempo para trabalhar sem pressa. Compromisso apenas com a verdade, a profundidade e a ambição de fazer a diferença. Desapego de qualquer ânsia pela glória ínfima, efêmera e mentirosa de alguns cliques, milhares de likes, polêmica vazia e audiência instantânea. Espaço, inclusive, para que nada seja descoberto e o “tempo desperdiçado”, fundamental muitas vezes para que se atinja metas grandiosas e conquistas realmente dignas do nome. Independência e resistência para não ceder a propostas e insinuações pelo caminho. Destemor para bater de frente com uma instituição poderosa, para fugir da zona de conforto, potencialmente “comprar briga” com hordas de leitores, clientes e, consequentemente, perder dinheiro –, religiosos cegos e insensatos – claro que muitos não são assim. Essas são algumas das principais virtudes da equipe do Boston Globe que fez história. 

O padrão, o médio, contudo, é exatamente oposto a esse retrato em quase todos os sentidos e itens listados. Em muitos cenários, por exemplo, predomina a quase patética obsessão pelos mais desimportantes “furos” – acompanhada da pressa e da inépcia, natural que ela gere, para piorar, acima de qualquer margem, incontáveis “barrigadas”. A vontade de se vangloriar nas redes, ter muitos seguidores, então... Nem se fala. E o que dizer da pressão e do desejo maluco pela audiência independentemente dos meios, entrelaçada à crença – talvez não totalmente errada, e nesse ponto, como em outros, entra a parcela de culpa da população e, basicamente, da ignorância da raça humana, na história toda – de que o que “pega”, o que “bomba”, são os debates acalorados, “polêmicos”?

Comum também é a fama e o aparecer na TV, ser ouvido no rádio, como objetivos puros e simples, assim como a convicção de que por saber meia dúzia de informações sobre futebol já se é um grandíssimo e exemplar jornalista que sem dúvida merece espaço na grande mídia – esse fenômeno se relaciona de diferentes maneiras com a avaliação, em diversos veículos, de que o caminho certeiro para conquistar as massas passa pela proliferação da opinião e dos flashes ao vivo, “enriquecidos” pelas costumeiramente “redentoras” entrevistas dos usualmente “interessantíssimos” boleiros.

Exceções? Claro... No mundo da bola, Lúcio de Castro, Gabriela Moreyra, Juca Kfouri, José Trajano, André Rizek, Alexandre Simões, Camila Mattoso, Andrew Jennings, entre outras... Cada vez mais, porém, resistentes membros de uma diminuta minoria...

A inocência de quem acha que o corajoso jornalismo investigativo ganhou junto com Spotlight é quase digna de pena...
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