Paradoxo na Copa

19/06/2018 às 16:39.
Atualizado em 10/11/2021 às 00:50

A Copa do Mundo frequentemente funciona como um divisor de águas no futebol. Inclusive fundando/servindo de subsídio para clichês que, pouco condizentes com a verdade, passam a desfilar nas análises de supostos especialistas. Ouvimos por anos, por exemplo, que o esporte bretão tupiniquim padeceu numa fase excessivamente pragmática por causa da nossa derrota em 82 – no fundo, em geral, proposições assim haveriam de ser extremamente relativizadas.

O mote do momento nas imprensas de Brasil e Inglaterra – tenho acompanhado a última também pela TV do meu hotel aqui em Moscou, onde, por motivos óbvios, permaneço sem compreender a repercussão dos veículos russos: a Copa tem sido palco de embates nos quais os times inferiores, por meio de sistemas defensivos bem montados, vêm obtendo relativo ou cristalino sucesso diante dos gigantes. Isto é verdade, diga-se. Mas daí a pegarmos esta premissa e estabelecermos certas conclusões...

Se corremos o risco de que transformem o sintoma assinalado em mantra para que justifiquem/escolham maneiras cautelosas de jogo, por determinado prisma, podemos encontrar, também nesta Copa, a consolidação de algo que já vinha se materializando nos últimos anos – e mostra-se passível de uma leitura otimista para quem gosta de talento, ofensividade: muitas equipes andam privilegiando claramente a habilidade, a técnica, em suas escalações; buscando reunir o maior número possível de atletas diferenciados; preferindo tentar adaptar meias/atacantes a labores mais recuados e/ou que agreguem de forma consistente na fase defensiva do que adiantar qualquer volante "melhorzinho" para construir – por algum tipo de precaução ou medo.

Pensemos na fortíssima Bélgica: De Bruyne, Mertens, Hazard, Carrasco e Lukaku começaram juntos integrando o 3-4-3 de Roberto Martínez na vitória por 3 a 0 da estreia. Antigamente talvez ficaríamos naquele Deus nos acuda: "nossa, quem vai marcar neste time? Como fulano e sicrano jogarão juntos? Será que o treinador escalará todos?". Pois é... Escalou. Volante, mesmo? Só Witsel. Que não é brucutu.

Algo análogo ocorreu com a Inglaterra. Dele Alli, Lingard, Sterling e Kane iniciaram. Henderson foi o único "caçador" do meio. A Croácia optou por um 4-2-3-1 com Rakitic e Modric de volantes, ao invés de procurar "dar liberdade" a um deles, no mínimo.

Fomos brindados, na última temporada europeia de clubes, com inúmeros movimentos que sinalizam caminhos similares: James, outrora visto como pouco competitivo até para os padrões de um armador claramente avançado, no Bayern, se reinventando e preenchendo melhor os espaços, recuado; De Bruyne e David Silva à frente de Fernandinho no 4-1-4-1 do City; e a lista continua...

O lado esquerdo do Brasil, no papel, é o mais forte do mundo. Marcelo, Coutinho e Neymar. Se ficarmos vulneráveis por este flanco, não será pela impossibilidade, a priori, em termos absolutos, de o nosso blaugrana compor, centralizado, um 4-1-4-1 ao lado de um volante que não marca tanto (Paulinho); será por desajuste coletivo, pouca atenção individual, e/ou pela soma de características desta beirada: um lateral que avança muito, um "ponta" que não recompõe tanto – e talvez não deva fazê-lo, por ser quem é –, e mais um meio-campista central com limitações no combate. Este último ponto, portanto, somado aos outros dois, às características dos demais jogadores citados. Não isoladamente. Com inteligência e entrega pode-se evitar, penso eu, esta frouxidão.

Ofensivamente, temos um lado direito mais burocrático. Danilo, Paulinho e Willian – este último, embora assaz talentoso, no paralelo que aqui realizamos, "bateria" com Neymar... Ainda assim, deveríamos variar mais. No nosso primeiro duelo, pendemos acima do recomendável para a extremidade canhota.                

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