Paulo Bento e repertório tático

29/06/2016 às 09:08.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:05

Logo nas primeiras partidas comandando o Cruzeiro, Paulo Bento deixou boa impressão. Mostrou clara capacidade de organizar o time, fazer o conjunto posicionar-se corretamente, atuar de maneira consciente; suas peças sabiam o que realizar em campo. Ademais, a despeito dos empates diante de Figueirense e América, e da derrota para o Santa Cruz – resultados bem enganosos –, os celestes apresentaram, nessas oportunidades, ótima compactação, controle do jogo, do meio campo, e poder criativo que não existia na era Deivid.

Neste começo, o estilo que o português privilegiava era o de propor o jogo. Ter mais posse. Controlar. Cadenciar. Envolver com passes curtos, povoando o meio-campo. E, para quem analisa o esporte além dos resultados, ele escancarava talento para executar essa filosofia – contemplando, sobretudo, a parte dela que faltava à Deivid: eficiência no terço final e aptidão para fazer ligação entre meio e ataque. Ao longo do tempo, em circunstâncias diferentes – inclusive levando-se em conta alguns desfalques, como o de Robinho –, o técnico mudou totalmente sua ideia de jogo, sua proposta. Contra o Atlético, por exemplo, escolheu atuar em transição, num estilo no qual sua equipe se postava inteligentemente com duas linhas se defendendo, e partia com velocidade, com sincronia para aproveitar os contragolpes, os erros do oponente, os espaços deixados por uma defesa ainda não recomposta. Nesta oportunidade, propor, controlar, não era a prioridade; e com essa estratégia, executada com maestria, o Cruzeiro foi melhor do que o rival; mereceu vencer.

Diante do Palmeiras, na melhor partida do clube cinco estrelas no Brasileirão, uma espécie de “terceiro mundo”. Paulo Bento não colocou o time exatamente esperando o adversário; longe disso. Não quis priorizar claramente a transição. Tampouco instruiu seus comandados para jogar com a posse, o controle – num sentido mais típico, “purista”. No último sábado, o Cruzeiro teve mais iniciativa, tomou as rédeas. Só que, ao invés de optar pela cadência, escolheu a intensidade, a verticalidade. “Engoliu” o líder do certame. Pecou somente por ter perdido muitos gols – e na falha individual de Bruno Rodrigo que concedeu tento ao alviverde. Pela disparidade que teve em termos de volume, ocasiões claras de marcar, domínio, imposição, poderia ter goleado.

O que quis apontar até aqui: Paulo Bento já mostrou, em pouco tempo, repertório. Não é samba de uma nota só – ou fado de um único acorde... Sabe variar, sabe entender a peculiaridade de cada confronto. Tem conteúdo, bagagem intelectual para saber o que se adéqua, como se atua em cada uma das filosofias possíveis no futebol; mais do que isso, sabe aplicar, na prática, cada uma dessas teorias. E se o “Portuga bom de prancheta” parece capaz de variar em termos teóricos, de proposta de jogo, também dá bons sinais no que tange ao dom para eleger corretamente o melhor sistema. Já escolheu o 4-4-2 com losango no meio, o 4-2-3-1 e o 4-1-4-1. Mais importante: soube casar certeiramente os esquemas com as características dos jogadores que tinha como titulares em cada dia e com a filosofia, a proposta preferida para cada partida em particular – algo que faltou à Deivid, que queria jogar com controle, propondo o jogo, numa espécie de tiki-taka muitas vezes por meio de sistemas e jogadores que combinavam mais com uma filosofia de velocidade, intensidade.

Como se não bastassem esses atributos estratégicos, Bento parece ser bom de vestiário, na parte motivacional, no lado humano do jogo. Afinal, saltou aos olhos a raça impressionante, o foco, a entrega descomunais que o Cruzeiro mostrou contra Ponte e Palmeiras. Quem queria emplacar a tese de que havia crise entre professor e elenco... Faltou combinar com a realidade...

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