Sintomas de uma humilhação – e da inépcia dos nossos dirigentes

10/01/2018 às 17:04.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:41

Já estamos acostumados com a disparidade financeira entre o nosso mercado e o europeu. Encaramos como natural – e em grande medida, é mesmo. Mas precisamos ter sensibilidade, percepção. Às vezes um tipo de padrão se torna tão organicamente aceito na sociedade; é absolvido, de certo modo, tão sem reflexão, quase que tacitamente, por inércia, osmose, que perdemos o tato, o feeling para notarmos os completos exageros, para separamos o que seria desvantagem aceitável e abismo quase que humilhante, opressor, completamente desproporcional, equivocado...

Se pegarmos todas as transferências de Phillippe Coutinho ao longo da carreira teremos alguns dos incontáveis exemplos possíveis para ilustrar o excesso de diferença ao qual me refiro no primeiro parágrafo, para suscitar uma avaliação que deve ser feita pelos clubes tupiniquins.

O meia-atacante da seleção foi comprado pelo Barcelona por cerca de 163 milhões de euros (633 milhões de reais). Como clube formador, o Vasco tem direito a 2,5% do valor da transferência, e por isso receberá até quatro milhões de euros (15,8 milhões de reais). Quando vendeu Coutinho à Inter de Milão em 2008, o Vasco embolsou aproximadamente 10 milhões de reais. Conclusão: a ínfima beirada, o “resto” da negociação que rola entre os europeus chega a render mais aos irmãos brazucas do que as vendas por eles diretamente realizadas, advindas quando nossas honrosas agremiações possuem 100% dos direitos econômicos do mesmo atleta.

Outro número alarmante – e não observado pela nossa imprensa: em 2013, Coutinho saiu da Inter e foi para o Liverpool por 13,7 milhões de euros (37 milhões de reais no câmbio da época). A passagem do nosso craque pela Itália não foi um sucesso. Sem se firmar no futebol da Bota, o brasileiro chegou a ser emprestado ao Espanyol – primo pobre do Barça – por seis meses. O que todo este cenário indica? Simples: o mero fato de um jogador pisar na Europa, de ter o rótulo de empregado no Velho Continente normalmente o faz ficar valorizado; mesmo que a amostra, o desempenho apresentado por lá seja claramente ruim. “Jovem promissor atuando – e bem – no Brasil? Pagamos 10 milhões”. “Atleta que não produziu nada na Inter, não se firmou na Europa, anda em má-fase, e depois de valer 10 não fez nada na prática para que seu preço fosse aumentado? Pagamos 37 milhões!”. Valorização depois de um tempo ruim? Sim... Porque no período inicial favorável, quem vendeu, foi um brasileiro – e no momento da oscilação para baixo, um italiano.

Um dos argumentos encontrados para justificar essas negociações pífias dos nossos clubes passa pelo fato de, endividados – e o comprador sabe disso –, eles não possuírem poder de barganha. Estão sempre com o pires na mão. Verdade. Mas em primeiro lugar é preciso pensar que situação financeira ruim não há de cegar, ocasionar a perda do bom senso, da razão; logo, nem no desespero se deve, em geral, vender um ativo com pressa, por um montante consideravelmente menor do que aquele que seria justo. Por fim, lembremos que, numa evidente contradição, pegamos toda hora os clubes daqui gastando – também no desespero, para dar satisfação para as massas –, na aquisição de medalhões, já no ocaso, quantias semelhantes às que receberam por pérolas que possuíam e se encontravam em franca ascensão – em breve atingiriam o ápice e ainda permaneceriam com potencial de revenda. Qual é a lógica nisso tudo? Óbvio, nenhuma.

O esporte não é um corpo estranho na sociedade. Todo um contexto da economia de cada local invariavelmente faz diferença nas cifras que circulam dentro de cada indústria deste mesmo lugar. O Brasil está em crise, se encontra com problemas nas mais variadas searas? Sim. Mesmo com este quadro, contudo, considerando o claro potencial de adesão, de público, de interesse, que o futebol tem por aqui, dava facilmente para os nossos clubes faturarem mais, estarem com contas mais favoráveis.  

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