Torcedor fanático e manifestações políticas “dos dois lados”

02/04/2016 às 21:02.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:45

No trabalho de jornalista esportivo, quando passei a me deparar cada vez mais com numerosas demonstrações de um fanatismo louco, totalmente inimigo da razão e da boa capacidade de juízo, comecei a flertar frequentemente com certa preguiça do ato de torcer. Lógico que não se deve generalizar e que a sabedoria há de entrar no jogo até para que se tenha compreensão, não se julgue de modo demasiadamente rigoroso, um tanto ranzinza. Em algum grau, e em determinadas acepções, porém, a preguiça citada me parece inevitável para certos tipos de indivíduos; mais do que compreensível para eles, correta em termos absolutos. E ser hostilizado dia sim e outro também por torcedores do clube que você sempre preferiu desde criança por ser “claramente” adepto do maior rival, e “indiscutivelmente” não ser profissional para conseguir separar as coisas, com tons de ensinamento mesmo de como você deveria trabalhar, é um capítulo à parte.

Em todo esse panorama soa normal que muitos cronistas deixem de se identificar, em alguma medida, tanto com o ato de ser fã, quanto com a torcida do seu time de coração, especificamente.

Qualquer manifestação de massa, inevitavelmente, terá largo contingente de pessoas ignorantes não apenas num cômputo geral, como também no que tange ao próprio objeto das reivindicações. Na esteira dessa constatação, já ouvi intelectuais defendendo, muitas vezes com total razão, que não se deve ser preciosista, perfeccionista demais no sentido de desistir da participação em eventos dessa natureza (cujo argumento central você apoia), em função da fragilidade do embasamento da maioria dos integrantes do movimento – ou até de alguns outros deslizes destes no campo das ideias. Faz sentido. Mas tudo tem limite... Dependendo do grau, do tipo e da penetração da ignorância, é compreensível ou até correto, recomendável, se eximir, se retirar. Ainda que você coadune com a proposta essencial de uma manifestação. A linha é tênue. Bom senso.

Em muitos sentidos, a ignorância, a cegueira que se vê nas manifestações políticas “dos dois lados”, se aproxima daquelas espalhadas pelos torcedores fanáticos de um clube...

  

Frequentemente o deparar com um mar de torcedores exagerada e equivocadamente fanáticos, dá preguiça. Você não se identifica. Não quer sequer parecer ser um deles. E mais importante: ainda que haja outras maneiras de torcer, é atingido por alguma aversão ao ato de torcer em geral. Do mesmo modo, sinto que é mais que compreensível alguém ser contra o atual governo e não querer “se misturar” com quem também o é, mas xinga, agride qualquer um simplesmente por estar de vermelho ou por pensar diferente; mune-se de argumentos “belíssimos”, de forma indiscriminada, como “vai para Cuba”, entre outras baixarias morais ou intelectuais que, se não são maioria, tão longe de ser raras em muitas manifestações críticas ao mandato de Dilma.

Raciocínio exatamente análogo, em todos os aspectos, vale para quem é contra o impeachment e não deseja se “enturmar” com uma galera que consegue gritar “Lula, guerreiro, do povo brasileiro” – não estou dizendo que quem é contra o impeachment, mas não concorda com a letra do cântico, necessariamente deveria ficar em casa, o que também se aplica para a situação análoga que tracei quando tratava “do time rival”.

Comparar a atual divisão do país com um “Fla x Flu” tem sido comum. Para quem é mais antenado nas questões políticas e intelectuais, soa um tanto batido. Antes das últimas eleições essa referência soava mais interessante – apesar de, ainda hoje, ela valer, em termos pragmáticos. Se em 2014 vivíamos esse clima de Fla x Flu, atualmente, no que tange à violência, à animosidade, à ignorância, estamos mais para um “Gaviões x Mancha Verde”. Sim, o que era parecia impossível aconteceu: o nível baixou...


 

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