Despedida a Fidel

03/12/2016 às 20:55.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:56

Diante da notícia da transvivenciação de Fidel, minha primeira reação foi a de que, mais uma vez, se tratava de boato. A morte de Fidel era notícia recorrente... Logo veio a confirmação. Fui tomado por uma tristeza serena diante da perda de um grande amigo, em cuja casa estive em agosto último, no dia da comemoração de seus 90 anos.

Ao desembarcar em Havana na manhã de segunda, 28 de novembro, fui direto ao Memorial José Martí, na Praça da Revolução, onde Fidel estava sendo pranteado. Participei da guarda de honra às suas cinzas, fiz uma breve oração, abracei os cinco filhos que ele teve com a minha querida amiga Dalia.

À tarde, recordei a amizade que nos unia no programa “Mesa Redonda”, o de maior audiência na TV cubana. Desde que nos conhecemos em Manágua, em 1980, foram incontáveis os nossos contatos, muitos deles narrados em meu livro “Paraíso Perdido – Viagens aos Países Socialistas” (Rocco) e, agora, na minha biografia editada pela Civilização Brasileira e assinada por Américo Freire e Evanize Sydow.

Muitos cubanos me indagaram sobre as convicções religiosas de Fidel. Ele e Raúl, seu irmão, estudaram em escolas católicas em regime de internato. Isso significa que foram à missa diariamente, como era praxe na época. Na entrevista que me concedeu em 1985, reproduzida no livro “Fidel e a Religião” (Fontanar), ele descreve como positivo aquele período.

Ao abraçar a causa revolucionária e o marxismo, Fidel se tornou ateu. Na última década, entretanto, por conversas que tivemos suponho que se aproximara do agnosticismo. Há três anos comentei com ele que muitos me perguntavam se ele tinha fé cristã. E eu respondia que o considerava agnóstico. Deu um sorriso sem me objetar.

Havana estava silenciosa na segunda e terça-feiras. Ainda que diante de uma foto de Fidel, crianças, jovens, adultos e velhos buscavam uma forma de reverenciá-lo. A nação ficara órfã daquele que a arrancara da condição de colônia ianque para ocupar os primeiros lugares nos índices mundiais de alfabetização, educação, saúde e qualidade de vida.

Fidel faleceu na tarde de sexta, 25, de falência múltipla dos órgãos. Morria na cama aquele que escapou de mais de 600 atentados promovidos pela CIA. Golias não lograra derrotar Davi.

Na tarde de terça, 29, mais de 1 milhão de pessoas se aglomeraram na Praça da Revolução para homenageá-lo. Vários chefes de Estado discursaram, entre os quais Maduro (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Daniel Ortega (Nicarágua) e Rafael Correa (Equador), que abriu a cerimônia com o mais conciso e brilhante discurso. Raúl Castro encerrou, com o emocionante resgate do papel de seu irmão na história de Cuba e do atribulado século 20.
Fidelito, o mais velho de seus filhos, acompanhou-me ao hotel para jantarmos juntos. Mostrou-me a foto de seus pais em lua de mel, em Nova York, em 1948. Sentia-se consternado e, ao mesmo tempo, feliz por ter merecido ser filho do único revolucionário da modernidade que sobreviveu 57 anos ao êxito da própria obra.

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