Dom Marcelo Carvalheira

01/04/2017 às 10:33.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:58

Perseguido pela repressão da ditadura militar em 1969, matriculei-me no curso de teologia dos jesuítas em São Leopoldo (RS). No seminário Cristo Rei funciona também um curso para reitores de seminários. Ali conheci padre Marcelo Carvalheira, reitor do Seminário Regional do Nordeste, no Recife, e assessor de Dom Helder Camara.

Em novembro, escapei do cerco da repressão da ditadura e, graças ao padre Marcelo, me refugiei na igreja da Piedade, em Porto Alegre, cujo pároco, padre Manuel Valiente, atendeu ao apelo de me socorrer. Dias depois fomos os três presos.

Padre Marcelo foi duramente interrogado, tanto no Dops de Porto Alegre quanto no de São Paulo, ao qual fomos transferidos no início de dezembro. O alvo das perguntas era Dom Helder Camara.

Padre Marcelo jamais perdia a calma. Respondia com ironia, e defendia com ardor o arcebispo de Olinda e Recife, qualificado pela ditadura de “bispo vermelho”.

A prisão selou o caráter fraterno de nossa amizade. No Deops de São Paulo, conhecemos o jovem militante comunista Jeová de Assis Gomes. Padre Marcelo expressou-lhe admiração:

— Jeová, você foi torturado horas seguidas. Fizeram com você o que não fizeram com Cristo. Quebraram seus braços e pernas. Você podia ter morrido. Não passou por sua cabeça que a morte seria o encontro com o Absoluto?

— Padre, agora me sinto feliz porque conheço o gosto da morte. Sei, por experiência, que sou capaz de dar a minha vida aos oprimidos.

— Quem ama passa da morte para a vida. Na leitura cristã, quem faz a experiência do dom total está salvo e se encontra com Deus. A Bíblia não diz que serão salvos os que têm fé e celebram o culto, mas sim os que são capazes de amar. Para estar aqui neste calabouço, eu arrisquei muito pouca coisa. Mas você arriscou sua juventude, a carreira universitária, a própria vida. Isso vale mais que proclamar a fé.

Criou-se uma afetuosa cumplicidade entre os dois prisioneiros.

Anos mais tarde, padre Marcelo me reafirmaria que o testemunho daquele jovem combatente fora a mais forte interpelação que recebera em sua vida. Jeová morreria assassinado pela ditadura em Goiás, em janeiro de 1972.

Interrogado sobre a sua formação, padre Marcelo disse ter sido muito influenciado por Teilhard de Chardin. Esclareceu tratar-se de um padre jesuíta, cientista e místico, que vivera na China e morrera nos EUA, em 1955, deixando uma obra que lança ponte entre a ciência contemporânea e a fé crista.

Solto poucos dias depois, Marcelo Carvalheira foi consagrado bispo e assumiu a diocese de Guarabira (PB). Mais tarde, o papa nomeou-o arcebispo da Paraíba.

Acometido pelos males de Parkinson e Alzheimer, Dom Marcelo Carvalheira transvivenciou no último sábado, 25 de março, aos 88 anos.

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