Uma Elite de Vira-Latas

28/03/2018 às 21:01.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:04

Em uma crônica que precedeu a Copa do Mundo de Futebol de 1958, Nelson Rodrigues cunhou o termo “complexo de vira-lata” para definir o que chamou de “a inferioridade que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. Para ele, tal complexo era fundamentalmente mais forte e visível no futebol, desde a dramática derrota brasileira frente ao Uruguai, em pleno Maracanã, no ano de 1950. Ele já previa uma ruptura desse complexo com o escrete canarinho de 1958. Três meses antes da publicação desta primeira crônica, publicou outra em que, pela primeira vez, escrevia sobre Pelé e fazia-lhe o elogio de características que, depois, se tornariam famosas: a “imodéstia absoluta” e a “insolência”. 

De fato, o Brasil venceu a Copa de 1958 na Suécia de forma brilhante. Pela primeira vez uma seleção nacional de futebol de um país fundamentalmente multirracial vencia a Copa do Mundo, tendo, adicionalmente, jogadores negros como seus principais destaques. Finalmente, o futebol “dionisíaco” supostamente associado à multirracialidade brasileira superava o padrão “apolíneo” dos brancos de origem europeia (para utilizar termos emprestados de Gilberto Freyre). Portanto, para a alegria de Nelson Rodrigues, em 1958 o Brasil superou o “complexo de vira-latas” no futebol.

Do final do século XIX até a terceira década do século XX, predominava no pensamento social brasileiro uma avaliação do Brasil que se assemelhava à definição do “complexo de vira-latas” de Nelson Rodrigues. O livro de Paulo Prado, “Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira”, de 1928, foi representante típico dessa visão. Curiosamente, apenas cinco anos depois, é publicada a mais famosa obra de Gilberto Freyre, “Casa-grande & Senzala”, marco da superação que se sucedeu dessa avaliação inferiorizada sobre o povo brasileiro (apesar de todas as críticas que essa obra e seu autor possam merecer). 

Se o racismo e o complexo de vira-lata foram quase que totalmente superados no pensamento social e no futebol, eles estão longe de sê-lo em outras esferas da vida nacional. As últimas semanas mostraram isso. Primeiro, houve o caso da debutante branca fantasiada de sinhazinha sendo assistida por jovens negras fantasiadas de mucamas. Agora, tivemos o desprazer de saber, através de uma reportagem do Wall Street Journal, que brasileiras ricas estão gerando “uma demanda explosiva por espermas de homens americanos loiros e, de preferência, de olhos azuis”. 

Note-se que não é só questão racial. Afinal, também há bancos de esperma brasileiros com cadastros de homens com tais características fenotípicas. A questão vai além. Trata-se da rejeição da nacionalidade brasileira! Não é o povo brasileiro que tem complexo de vira-lata, é a elite do país!

  

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