A boa notícia vem da nossa inanição

04/11/2016 às 16:11.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:31

No Brasil atual, até as boas notícias são fruto das distorções geradas pela crise. Ontem, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou sua Carta de Conjuntura relativa a setembro. Apesar da continuidade da recessão, os economistas do Ipea comemoraram o que chamam de “ajuste das contas externas” como um primeiro sinal de que o país caminha para a estabilidade. Não concordo, mas trata-se de tema que merece ser clareado, já que vários economistas (incluindo os do próprio Ipea) vem se apressando para apontar um fim da crise que ainda não se vislumbra.

Segundo o Ipea, o saldo das transações correntes do Brasil (resultado de todas as operações do país com o exterior, incluindo balança comercial, serviço da dívida externa, viagens internacionais, remessa de lucros, transferências de pessoas e empresas) caminha para fechar o ano próximo com um déficit equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos 12 meses encerrados em setembro, esse déficit ficou em 1,3% do PIB, nível que é inferior à média histórica de 1,8% do PIB.

No acumulado de janeiro a setembro de 2016, o déficit em transações correntes ficou em US$ 13,6 bilhões, uma redução de mais de 70% em comparação ao mesmo período de 2015, que já estava 33,5% inferior em relação ao período de janeiro a setembro de 2014.

Transcrevo o trecho do artigo, de autoria de Fernando José Paiva Ribeiro, técnico da Diretoria de Relações Econômicas e Políticas Internacionais do instituto, no qual os números acima são analisados: “Não é exagero afirmar que o país já completou o ajuste de suas contas externas, no sentido em que o déficit em transações correntes já atingiu nível inferior à sua média histórica”, afirma Ribeiro.

Essa redução, segundo o estudo, é explicada, sobretudo, pelo aumento do superávit comercial. Neste ano, a balança comercial brasileira vem registrando superávits mensais consecutivos da ordem de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões. No acumulado de janeiro a outubro, o superávit alcançou US$ 38,5 bilhões, três vezes mais que no mesmo período do ano anterior.

O problema é que essa melhora é explicada por uma queda acentuada das importações, o que compensa o desempenho também negativo das exportações. Isso mostra que nosso déficit em transações correntes está caindo em função da inanição do mercado interno. Também tivemos um curto período de câmbio um pouco mais favorável aos exportadores, próximo a R$ 4 o dólar, mas não é essa a razão principal. O déficit cai porque o brasileiro perdeu poder de compra, principalmente de bens de consumo importados que possam ser considerados luxos ou supérfluos.

Ter um déficit em transações correntes sob controle e em tamanho compatível com a capacidade do governo de financiá-lo é, de fato, uma boa notícia. Mostra que não estamos fragilizados na questão do equilíbrio das contas externas. Mas esse equilíbrio não é, por si, capaz de gerar qualquer dinâmica positiva contrária à recessão.

O câmbio, sim, é a ferramenta com tal poder. Se as indústrias estão desesperadamente buscando o mercado externo para compensar o encolhimento da demanda interna, esse esforço deveria estar refletido no aumento do faturamento com as exportações. O problema é que as receitas com as vendas externas estão sendo engolidas pela valorização do real frente ao dólar, apesar do aumento dos volumes.

Porque, então, o governo não trabalha para trazer o câmbio para um patamar mais realista e compensador para as empresas exportadoras? Em função da crença cega da equipe econômica no velho e descabido tripé macroeconômico, do qual o câmbio livre seria uma das pernas.

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