A Samarco no banco dos réus

20/10/2016 às 21:24.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:18

Apesar de já ter conversado com um número grande de técnicos sobre o assunto, evitei até aqui fazer qualquer consideração sobre os motivos do rompimento da barragem do Fundão, da Samarco. Nos artigos nos quais tratei do acidente, me limitei a questionar o valor da multa e as bases do acordo fechado entre a empresa e os governos municipal de Mariana, estaduais de Minas e do Espírito Santo e Federal.

Defendi duas teses: a primeira, que a punição financeira (ou compensação pelos estragos) deveria atingir também os bolsos das controladoras Vale e BHP Billiton, o que mostrei que não aconteceria. Pelas bases do acordo, as duas gigantes globais da mineração (as maiores do mundo) apenas veriam reduzidos seus lucros com a Samarco.

E, a segunda, que tempo não poderia ser utilizado como punição. Logicamente, existem trâmites obrigatórios para que empresa prove estar apta a voltar a operar com segurança, mas dificuldades extras, impostas com espírito punitivo e revanchista, prolongariam os enormes problemas econômicos e sociais advindos da paralisação da Samarco.

Não toquei nas causas do acidente porque considerei todas as análises técnicas a que tive acesso incompletas, superficiais ou inconclusivas. Acredito que o erro de engenharia (ou, mais provavelmente, a sucessão de erros) que causou o acidente ficará mais clara a partir do acolhimento pela Justiça da denúncia oferecida ontem pelo Ministério Público Federal contra 22 pessoas (entre dirigentes, executivos e técnicos) por crimes ambientais e por homicídio doloso das 19 vítimas.

Em um julgamento, serão apresentadas as provas e contraprovas sobre as causas técnicas do acidente e da responsabilização individual e coletiva. Somente diante delas poderemos enxergar com mais clareza os motivos da tragédia que completará um ano no dia 5 do próximo mês.

Apesar dessa reserva, não poderia deixar de comentar o juízo de valor feito, ontem, pelo procurador do Ministério Público Federal, José Adércio Leite Sampaio, ao justificar a denúncia. Em suas palavras, “de maneira deliberada (os 22 denunciados) deram prioridade ao lucro no lugar da segurança”.

Caso a denúncia do MPF seja acolhida, estaremos diante de um processo sem precedentes no país

Ontem, ele fez uma longa apresentação, mas o resumo de seu raciocínio é muito simples: as empresas (Vale, BHP Billiton, Samarco e a VOGBR Geotecnica) teriam conhecimento das falhas de construção do alteamento da barragem e dos riscos inerentes a estas falhas. Mas, por força da pressão das duas controladoras, aumentaram a produção de minério e de deposição de rejeitos na barragem.

A Samarco nega. Em nota distribuída ontem, a empresa diz que “refuta a denúncia do Ministério Público Federal, que desconsiderou as defesas e depoimentos apresentados ao longo das investigações iniciadas logo após o rompimento da barragem de Fundão e que comprovam que a empresa não tinha qualquer conhecimento prévio de riscos à sua estrutura”.

Também reafirma que “a barragem de Fundão era regularmente fiscalizada, não só pelas autoridades como também por consultores internacionais independentes. Toda e qualquer medida sugerida e implantada no que diz respeito à gestão da estrutura seguia as melhores práticas de engenharia e segurança. A estabilidade da barragem de Fundão foi atestada pela consultoria VOGBR”.

Caso a denúncia do MPF seja acolhida, estaremos diante de um processo sem precedentes no país. Estarão como réus o ex-presidente da Samarco, o diretor de Operações, três gerentes de áreas técnicas afins, todos os 11 membros do Conselho de Administração da empresa (incluindo um cidadão inglês, um sul-africano, um australiano, dois americanos e um francês) e cinco representantes da Vale e da BHP na governança da Samarco. Será uma guerra.

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