Cronologia da crise

03/04/2017 às 14:39.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:59

Remexendo uns guardados, deparei com um texto que escrevi há exato um ano e que circulou apenas entre um grupo restrito de amigos. Permanece, então, tecnicamente inédito. Era início de abril de 2016. Com mais cinco meses, em 31 de outubro, Dilma seria derrubada. Mas, naquele abril, o golpe parlamentar já se desenhava de maneira clara. Fiz, então, uma cronologia da crise mundial e brasileira, para dar um suporte econômico à discussão política. Acho que ainda serve para entender os descaminhos recentes da economia, sem os quais talvez não houvesse golpe. Atualizei apenas o último bloco do texto, sobre o pós-impeachment. No primeiro texto fiz um exercício de futurologia e errei feio. Temer está se saindo muito pior do que eu imaginava. </CW>[/TXT_COL]

Temer será lembrado como o presidente que inviabilizou economicamente o país


2008 – A crise internacional
Explode a bolha especulativa do mercado imobiliário americano, precipitada pela quebra do banco Lehman Brothers. O mundo se aterroriza com a perspectiva de falência da economia americana. Centrada nos EUA e inicialmente financeira, a crise se alastra e contamina a Europa, demandando investimentos massivos dos governos dos países desenvolvidos para conter o efei[/TXT_COL]to dominó e a quebradeira dos bancos. Sobrevieram os reflexos progressivos nas cadeias produtivas, no emprego e no consumo, na Europa e nos EUA. Como a economia é global, a onda chegou ao Brasil em 2009, afetando exportações para parceiros importantes, como os EUA e a Alemanha. Tivemos a sorte de o apetite chinês por commodities ainda estar em alta, mantendo os preços das matérias-primas em patamares nunca vistos. A desaceleração da China só viria em meados de 2013. Aí sim, a catástrofe chegaria ao Brasil.

2009/2010 – O efeito da crise no Brasil
Em 2009, tivemos forte desaceleração do PIB em função da crise internacional e da queda das exportações para parceiros tradicionais, como os EUA. O PIB cai 0,2%. O ministro Mantega põe [/TXT_COL]imediatamente em marcha as políticas anticíclicas. Algumas deram muito certo, como a desoneração de impostos para setores estruturantes da economia (automóveis, construção civil, eletrodomésticos, móveis e bens de capital). Outras que não deram em nada e consumiram muito dinheiro público, como as desonerações da folha de pagamento. A Selic é cortada até os 7%. Os bancos públicos promovem forte redução forte dos juros para o consumo. Os programas de investimento em infraestrutura, construção civil, em máquinas e equipamentos, em modernização do parque industrial, em renovação de frota, que estavam em gestação, são postos em marcha acelerada. Grandes obras públicas (rodovias, ferrovias, portos, hidrelétricas) são iniciadas ou aceleradas. A ideia era fazer a economia reagir no curto prazo por meio do consumo interno e garantir uma continuidade do crescimento por meio dos investimentos públicos associados ao capital privado. Deu certo e a economia acorda, crescendo mais de 7% em 2010, o suficiente para cobrir a queda do ano anterior. Mas, para contrabalançar o efeito inflacionário do incentivo ao consumo, o câmbio é mantido artificialmente sobrevalorizado. Vários setores da indústria, principalmente de bens de consumo não duráveis, são devastados pelos importados e boa parte da riqueza que o país consegue produzir é jogada fora em quinquilharias chinesas.

2012 a 2014 – Efeito China e crise na Europa
Em 2012, novo baque na economia internacional com o ápice da crise de origem fiscal na Europa. No segundo semestre de 2013, é a vez da China desacelerar. Os preços das commodities começam a derreter. O Brasil é engolfado definitivamente pela crise em 2014. O consumo interno desacelera (veja bem, apenas desacelera, não recua), apesar da continuidade das políticas de crédito. Como era de se esperar, atinge-se o equilíbrio entre oferta de crédito, capacidade de endividamento e poder de compra. Com isso, o consumo deixa de ser o motor da economia e a queda drástica dos preços das commodities é fatal para a economia brasileira. Ao final do ano já temos claramente sinalizado que a dinâmica do PIB passa do azul para o vermelho. Apesar disso, as contas públicas estão em razoável equilíbrio, as reservas internacionais são as maiores já acumuladas pelo país, a relação dívida X PIB e dívida X receita líquida não são preocupantes e a capacidade de investimento, de tomada de crédito e de rolagem da dívida do governo ainda está preservada. Existe deterioração dos indicadores fiscais, mas dentro do esperado para um momento de retração da economia mundial. Era necessário reagir, mas não é essa a opção de Dilma, que assume segundo mandato em 2015.

2015 – O desastre Levy
Dilma reeleita dá ouvidos a Lula e coloca um ortodoxo para tentar reverter a crise econômica. Dilma sofre uma incrível pressão orquestrada pela imprensa conservadora e pelos partidos de centro e de direita para conter o “desastre fiscal” no qual o país se meteu. Era mentira, não havia desequilíbrio fiscal gritante, mas ela cede. Levy põe em marcha o mais desastroso programa econômico já realizado no país, o tal ‘ajuste fiscal’. Ao cortar os investimentos do governo, simplesmente tirou todo o fôlego de uma economia que já vinha na descendente. Cortou-se o oxigênio do paciente na UTI. O ajuste é feito com a justificativa de que o equilíbrio fiscal seria fundamental para que o mercado voltasse a acreditar no futuro da economia e os empresários voltassem a investir, o que reverteria no médio prazo o quadro recessivo. Como era de se esperar (e eu escrevi isso desde o primeiro dia), o efeito é exatamente o contrário: a economia feita com o corte de gastos e de investimentos é totalmente engolida pela agudização da recessão e a consequente queda da arrecadação. Agora, sim, o quadro fiscal se deteriora com velocidade, ameaçando tirar do governo a capacidade futura de ser agente da reação. A economia derrete e o PIB cai assustadores 3,6%. Depois do estrago, Levy deixa o cargo em dezembro de 2015, dando lugar a Nelson Barbosa, que ficará apenas até maio do ano seguinte, saindo do governo juntamente com Dilma.

2016 e Barbosa
Por conta da crise política e da deterioração fiscal, Barbosa, mes[/TXT_COL]mo que desenvolvimentista, não tem mais capacidade de fazer aquilo que deveria ter sido feito lá atrás, antes mesmo de Levy: uma transição do foco das políticas anticíclicas do consumo interno para os investimentos estruturados (e não mais pontuais) em infraestrutura, em grandes e pequenas obras, e incentivos às indústrias de base, de bens de capital e de setores estruturantes. Mas Barbosa está de mãos amarradas. Precisa do Congresso para votar a nova meta de déficit e as reformas. Enquanto espera, tenta devolver algum ânimo à economia com medidas para retorno do crédito, principalmente para investimento e financiamento da indústria. Nada dá certo, já que o ambiente político é caótico e nenhum agente econômico se move na expectativa da queda da presidente, que se dá em maio, com votação definitiva do impeachment em agosto.

2016 a 2017 – Agravamento da crise
Temer poderia ter feito o que Dilma não teve coragem nem tempo de fazer em seu curto segundo mandato: [/TXT_COL]usar as reservas internacionais para dar liquidez à economia, ampliar a oferta de crédito, baixar os juros e formular uma política de investimentos estruturantes de longo prazo. Mas não. Colocou dois banqueiros no comando da economia: Henrique Meirelles, na Fazenda, e Ilan Goldfajn, no Banco Central. Aprofundou o ajuste fiscal como um kamikase que mergulha para a morte. O resultado é o somatório do maior rombo fiscal da história com uma dívida que cresce descontroladamente e uma economia patinando no fundo do poço. No futuro, Temer será lembrado não apenas como golpista, mas também como o presidente que inviabilizou economicamente o país.

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