Quando o Banco Central mexe nos juros, está mirando as expectativas futuras de inflação. Por isso, muitas vezes um aumento ou corte da Selic pode parecer incoerente com o IPCA do momento. Na verdade, as tendências e os fatores de pressão sobre os preços são levados mais em conta pelos membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC do que a taxa de inflação propriamente dita.
Mas, quando avaliamos tanto a taxa de inflação quanto as tendências e os fatores de pressão atuais, nada justifica o conservadorismo do BC. Na última reunião de 19 de outubro, o Copom cortou a Selic em 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano. Essa foi a primeira redução em quatro anos. Mas, na verdade, o juro real, que é a taxa básica menos a inflação, continua crescendo por conta da desaceleração da inflação.
Continuamos pagando o maior juro do mundo, mais do que qualquer país em crise econômica sistêmica ou bélica. O Brasil está em recessão, mas nem de longe oferece risco aos investidores quanto Turquia, Rússia, Venezuela ou Grécia, que praticam taxas muito inferiores às brasileiras.
A desculpa para essa absurda distorção (que sejamos justos, transpassou todos os governos desde a redemocratização, com um pequeno período de queda consistente apenas no segundo governo Dilma, quando a taxa bateu no piso de 7% ao ano) sempre foi o combate a inflação. Juro alto provoca dois efeitos: o primeiro, enxuga a liquidez da economia, concentrando o dinheiro nos bancos e tirando vendas do comércio. Sem pressão de demanda, os preços tendem a cair. E o segundo, promove a valorização do real. O juro alto serve como imã na atração do capital especulativo internacional, e a entrada massiva de dólares derruba a cotação da moeda americana. Com o câmbio sobrevalorizado, os produtos importados se tornam mais baratos, forçando a queda de preços dos similares nacionais.
O problema é que o juro alto é um remédio para a inflação com efeitos colaterais devastadores para a economia e para toda a sociedade. Todos que possuem dívidas ou fazem compras financiadas perdem montanhas de dinheiro para os bancos. O comércio para de vender. E a concorrência desigual com os importados quebra empresas e desindustrializa o país.
O grande erro atual (e também do passado na maior parte do tempo) é que a doença não justifica um receituário tão amargo. E, como disse acima, se a matéria-prima do Copom são as projeções e tendências, então não se trata nem de exagero na dosagem, mas de erro puro e absoluto na estratégia.
Se a inflação ainda esta alta (na casa de 6% no acumulado de 12 meses), isso se dá por conta da contaminação dos aumentos dos preços administrados patrocinados no ano passado. Não existe, hoje, pressão de demanda e nem da entressafra dos alimentos. Se olharmos para a evolução atual dos preços, o que temos é a inversão de tendência, que passou para deflação.
O IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) da Fundação Getúlio Vargas, divulgado ontem, registrou deflação de 0,11% na primeira prévia de novembro. No mesmo período do mês passado, já havia registrado deflação de 0,01%. No atacado, que aponta possíveis pressões futuras, a queda foi ainda mais acentuada, de 0,29%. Ou seja, não existe motivo para que o BC não se mova e faça um corte profundo da Selic. Já era esse o cenário desenhado na última reunião, em que o corte veio menor do que o esperado pelo mercado, que já era de conservador 0,5 ponto percentual.
Neste ano teremos mais uma reunião do Copom, que atualmente acontecem oito vezes ao ano, nos dias 29 e 30. Será a oportunidade para o BC mostrar alguma ousadia e sinalizar para uma política mais agressiva de retomada do crescimento. Mas, conhecendo a atual diretoria, aposto todos os meus minguados trocados que o BC nos frustrará novamente.