Verdades e mentiras

31/10/2016 às 12:52.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:27

Os leitores regulares dessa coluna já devem ter entendido, mas não custa alertar aqueles ocasionais, que porventura estejam lendo-a hoje: quando trata de economia, o governo federal mente descaradamente. Não se trata de diferença de análise ou de ponto de vista sobre a mesma realidade, inerente ao debate econômico. Estou falando de distorção grotesca do diagnóstico da crise e da farsa montada para que o remédio amargo que estão nos empurrando seja engolido com resignação.

Vamos, então, aos desmentidos. Primeiramente, não estamos caminhando para o equilíbrio fiscal. O problema fiscal, que já era grave ao final do primeiro mandato de Dilma, se tornou dramático a partir da opção pelo ajuste ortodoxo iniciado no segundo mandato da ex-presidente e continuado por Michel Temer. O rombo se tornou monstruoso porque o governo propositalmente tirou toda a vitalidade da economia, o que fez as receitas da arrecadação de impostos caírem em volume muito superior aos cortes de gastos que o governo conseguiu fazer.

Também é mentira que as reformas sejam fundamentais para tirar o país da crise. Não tratarei do mérito do corte de direitos previsto nas reformas trabalhista e previdenciária, mas apenas de seus efeitos. Se estes forem positivos como garante o governo (o que é muito questionável, mas esse é assunto para outro dia), os resultados viriam paulatinamente e no longo prazo. Já a depressão econômica na qual nos metemos exige o uso do ferramental macroeconômico mirando o curtíssimo prazo. Chegamos ao ponto em que primeiro é preciso usar o desfibrilador para depois tratar o doente. E a crise é apenas uma desculpa para o governo fazer passar sua agenda conservadora de reformas.

Outra mentira é que a atual política econômica conseguiu inverter a curva da depressão. Não é verdade que batemos no fundo do poço e estaríamos prestes a voltar a subir. Todos os indicadores econômicos sinalizam para o contrário disso, ou seja, para o aprofundamento da crise. O PIB do segundo trimestre, o último divulgado, recuou 0,6% em relação ao trimestre anterior, pelo sexto trimestre consecutivo. Na comparação com o segundo trimestre do ano passado (já em plena crise), o tombo foi de 3,8%. E no acumulado em 12 meses até junho a queda chegou a incríveis 4,7%. Um boletim do banco Itaú (de onde saiu o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn) divulgado na quinta-feira da última semana trouxe a previsão de queda de 1% do PIB do terceiro trimestre em função do desempenho decepcionante dos setores automotivo e de alimentos. Se confirmado, significará aceleração da depressão.

Outros indicadores utilizados para olhar para frente e antever o desempenho do PIB também são todos muito ruins. Um dos principais é o volume de crédito tomado por empresas e consumidores, que em setembro caiu 7,4% na comparação com setembro do ano passado, e encolheu 6,8% no acumulado do ano até setembro. Já as vendas do varejo caíram respectivamente 7,7% e 9,3% na mesma comparação. E a produção industrial, 5,2% e 8,2%.

E, por fim, a grande mentira da PEC 241. Já disse aqui que a imposição de um limite de gastos ao governo por 20 anos é antidemocrática porque torna o ajuste fiscal obrigação constitucional e tira dos próximos governos a capacidade (e o direito) de fazer política econômica. Mas, além disso, o que poderia nos tirar da crise seria tratar da qualidade do gasto público, e não da quantidade. O gasto do governo é o motor da economia e pode fazer o papel do desfibrilador que citei acima. Acho que já está claro que o equilíbrio fiscal só virá com crescimento econômico e aumento da arrecadação, e não do corte de orçamento de setores essenciais.

Portanto, não acredite quando ouvir que o governo de Michel Temer está combatendo a crise. É o contrário disso.

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