Além do óbvio: obrigado doutor

22/04/2017 às 19:36.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:14

Recebi diversos elogios em torno do artigo da semana passada, com o título “meio milhão de zeros”. O tema foi sobre os 529.374 alunos que tiraram zero na redação do ENEM. De fato, muitos estudantes têm dificuldade de entender o que estão lendo e de expor suas ideias. Esse é o drama de alunos altamente capazes, mas que não desenvolveram o gosto pela leitura e pela escrita.

Naquele artigo esclareci que não pretendia corrigir esta deficiência em poucas palavras. Mas apresentei algumas dicas. Em resumo: 1) desenvolva o hábito de ler e escrever (e tenha paciência neste processo que levará muitos meses); 2) atenha-se ao problema proposto, sem acrescentar dados que não estão escritos; 3) exponha suas ideias aproximando a língua falada da língua escrita, o que favorece a construção de períodos gramaticais curtos e claros; 4) controle a ânsia de expor todas as ideias ao mesmo tempo, o que conduz a uma redação confusa, cheia de termos explicativos dentro das frases, as quais não são concluídas adequadamente.

Agora apresento outra dica importantíssima: ao expor suas ideias, vá além do óbvio. Muitos alunos, buscando a resposta exata para uma questão, limitam-se a transcrever leis, doutrinas jurídicas ou jurisprudências. Desse modo, o texto não traz nenhuma ideia nova.

Para ilustrar esse tema, muito me honra lembrar-me da primeira cliente dos meus serviços jurídicos: minha filha, quando tinha 2 meses de idade. Minha esposa havia sido convocada para trabalhar nas eleições. Qual era a obviedade jurídica? Estando de licença-maternidade, não estava obrigada ao serviço eleitoral. E o que minha filha tinha haver com a questão? Eis o tema além do óbvio: a convocação eleitoral, além de ofender aos direitos da mãe, ofendia mais intensamente aos da filha.

A titular do pedido foi a filha (e não a mãe). Não me esqueço, até hoje, das primeiras frases: “Meritíssimo Juiz Eleitoral, Isabela ..., com dois meses de idade, representada legalmente pelos pais e judicialmente pelo advogado infra-assinado, não tem, obviamente, nenhuma capacidade para manifestação de vontade (a não ser pelo choro). E nem imagina que, nas próximas horas, estará privada do leite materno, sua única fonte de alimentação, caso persista a decisão convocatória de Vossa Excelência”. Bem, fazendo o magistrado ler essas primeiras linhas, com certeza leu atentamente o restante da petição. E alguém tem dúvida de que o pedido foi aceito? Claro que foi.

Enfim, ao organizar seu texto, busque sempre este caminho: vá além do óbvio. Ah, aproveito para reiterar meu agradecimento ao colega que assinou comigo a petição. É que eu era estagiário e ainda não tinha registro na OAB. Não mencionarei o nome, mas ele sabe que meu agradecimento é sincero. Ele é um desses advogados que, ao redigir, consegue ir além do óbvio. Obrigado, doutor.

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