Pedagogia da neutralidade

22/04/2017 às 20:25.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:15

Muitos advogados criticam o positivismo de Hans Kelsen, que privilegia a norma na sua compreensão dos fenômenos jurídicos. Há, porém, os que defendem as ideias expressas no livro “Teoria Pura do Direito”. Independente das posições contrárias ou favoráveis, Kelsen comete o equívoco, já na introdução, de propor uma teoria “pura”, isto é, livre de influências, interesses e ideologias.

Ora, a intencionalidade é o que mais caracteriza a ação humana. Isto é ainda mais evidente quando se trata de trabalhos científicos. O pesquisador, ao mesmo tempo em que influencia com suas ideias, é também influenciado. Portanto, esta ideia kelseniana de “pureza” não faz sentido.

Outro conceito totalmente distinto é o da neutralidade. Diante das descobertas ou inovações, surgem novos produtos e serviços. As pessoas podem usá-los em prol de uma ideologia ou de uma causa, justa ou injusta. Então, diferentemente da ideia de “pureza”, o resultado de um trabalho científico pode ensejar atitudes tendenciosas ou neutras.

Leitor, não leve a mal essas reflexões filosóficas. Era necessário fazê-las para discorrer sobre o comentário de um internauta que teve acesso ao artigo da semana passada. Nele eu falei sobre minha ida até a Argentina, onde defendi a tese de mestrado com o título “pedagogia do advogado”. Ao ver os autores que pesquisei, como por exemplo Paulo Freire e Jan Piaget, aquele leitor concluiu que meu novo livro servirá para doutrinar os estudantes de Direito e preparar os professores dentro do pensamento esquerdista.

Em duas décadas de magistério, o que mais prezo é minha neutralidade. Se você fosse meu aluno – respondi ao crítico apressado – não saberia qual é minha posição ideológica, pois nunca a manifestei em sala. O fato de eu citar determinado autor não significa que eu concorde com tudo que ele disse. Por outro lado, é óbvio que nenhum deles eram “puros”, como sugere Kelsen, pois ninguém o é. Afinal, não estamos livres de pertencer a uma cultura, tampouco de sermos influenciados pelo contexto social.

É claro que muitas teses educacionais estiveram a favor de ideologias. A minha, quando estiver disponível como livro, pode até encontrar o mesmo destino. Mas isto dependerá das conclusões de cada leitor. Quanto a mim, ao escrever a “pedagogia do advogado” o título poderia ser: “pedagogia da neutralidade”.

Seja qual for o título, não forme opinião a partir da fonte bibliográfica. Vá mais além: leia o livro. Esta foi a recomendação que enviei àquele internauta. Ele se desculpou, o que nem precisava fazer, pois, em minha mente, já o havia desculpado.

No mais, voltarei nos próximos artigos ao tema dos estudos para concursos, que é o foco desta coluna. Mas estas reflexões, apesar de pouco práticas, podem ser úteis aos concurseiros. Então, moçada, “bora” estudar.

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