‘Contrato de gaveta’: alto risco

23/05/2016 às 10:50.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:34

Kênio Pereira (*)

Com a expressiva valorização dos imóveis, que atingiu o seu ápice em 2013, constata-se que muitos negócios foram realizados por meio do chamado “contrato de gaveta”. O proprietário vendeu o imóvel ainda financiado pelo agente financeiro, sem realizar a transferência do financiamento para o novo adquirente. 

Ocorre que, ante o desaquecimento da economia e com o aumento do desemprego, muitas pessoas que venderam o apartamento ou casa estão agora sendo acionadas em juízo pelo agente financeiro, por falta de pagamento das prestações que deveriam ter sido quitadas pelo comprador. O problema é que o vendedor se torna réu, com o risco de ser condenado a pagar uma dívida que julgava não ser mais dele, além de ficar com o cadastro negativo no SPC e Serasa, além de ter que se defender em juízo.

O correto seria que o vendedor que figura como mutuário tivesse quitado a dívida para vender o bem sem ônus ou exigido que o adquirente fizesse o cadastro junto ao agente financeiro, encerrando o contrato anterior ao realizar financiamento em nome do novo proprietário.

Todavia, quando o vendedor e o adquirente resolvem evitar o trabalho de fazer a transferência junto ao banco, por receio de aumentar o valor do saldo devedor e as prestações, constata-se o surgimento do complicado e arriscado “contrato de gaveta”, que assim é denominado por não poder ser registrado no Ofício de Registro de Imóveis. 

Dessa maneira a transação se torna imperfeita, uma verdadeira “bomba relógio” que pode gerar grandes transtornos para o mutuário/vendedor, para no novo adquirente e até para seus herdeiros.

O comprador que assumiu o financiamento bancário de um mutuário, após ter quitado todas as prestações, corre o risco de ser chantageado ao requerer que este lhe outorgue a escritura de compra em seu nome. Após pagar o saldo devedor é concedida a baixa da hipoteca ou da alienação fiduciária, sendo que o normal seria o vendedor/mutuário que transferir a propriedade ao comprador por meio da escritura. 

Mas, há caso de ex-mutuário passar a exigir mais dinheiro para cumprir sua obrigação sob a alegação de ter vendido o imóvel muito abaixo de seu real valor, o que configura desonestidade.

O contrato do Sistema Financeiro Habitacional possui seguro para o mutuário que, em caso de invalidez ou morte, tem o financiamento do imóvel quitado. O problema surge quando o mutuário falecido já tiver vendido o imóvel e o seu herdeiro dificulta a transferência do bem que será inventariado, sob a alegação de que o seguro não beneficiaria o comprador. 

Nesse momento, o herdeiro, imbuído de má-fé, ignora que as prestações do financiamento e do seguro foram pagas pelo comprador, exigindo outros valores para viabilizar a transferência do imóvel. O Direito não tolera chantagem.

O comprador que passar por essas situações pode ingressar no Judiciário, para exigir do vendedor a outorga da escritura definitiva de compra e venda, e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. Trata-se de um abuso a exigência por parte do ex-mutuário de mais dinheiro para cumprir sua obrigação de transferir o bem para o adquirente, já que recebeu tudo que foi ajustado no contrato de cessão de direitos.

(*) Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG; E-mail: keniopereira@caixaimobiliaria.com.br

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