A advertência do Senhor Juiz

29/05/2017 às 17:58.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:46

Há dez anos exatamente, Adhemar Ferreira Maciel nos deixou. Não inteiramente. Porque, de seu legado, muito está vivo. Precioso legado, do cidadão probo, de advogado íntegro, exemplar. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, membro e presidente da Academia Mineira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais e do IHGMG. 

Desligado da ativa, presenteou-nos com um livro delicioso, em que conta sua atuação durante os anos de vivência nas lides e lidas jurídicas. Começa evocando Machado de Assis: “Nada há pior que gente vadia, ou aposentada, que é a mesma coisa: o tempo cresce e sobra, e se a pessoa pega a escrever, não há papel que baste”.

Para Adhemar Ferreira da Silva foi assim. Mesmo aposentado não parou de trabalhar, artesanalmente dando pareceres jurídicos, elaborando memoriais, escrevendo um ou outro artigo doutrinário, quase não restando tempo para as lembranças.

Instalado anteriormente como juiz em Goiânia, convidou os secretários para as primeiras providências: não receber presentes de quem quer que seja. Uma noite, porém, após uma longa audiência criminal, um dos funcionários, com desconfiança nos olhos, lhe entregou um conjunto de canetas e uma lapiseira douradas, deixadas por advogada de uma hidrelétrica. 

O jovem servidor tentou se explicar, sendo advertido que não deveria deixar o regalo ali etc. O novo juiz da capital de Goiás disse nas memórias: “Fiz questão de não desembrulhar o pacote. Escrevi imediatamente um cartão para a advogada. Procurei, não sei se consegui, não ser grosseiro. Pedi ao secretário para devolver o presente, despachando-o pela Vasp, para os escritórios da empresa, sediada em São Paulo”.

Casos outros surgiram. Com economiazinhas, resolveu construir um pequeno escritório de vinte ou trinta metros quadrados perto da residência. Procurou uma conceituada firma para fornecer o material para a “obra” e pediu orçamento.

Ele mesmo conta:

“O gerente, com muita amabilidade e naturalidade, me disse que a empresa mantinha uma “quota para autoridades”. Não cobraria nada. Aí, declinou uns dois ou três nomes dos já contemplados. Agradeci, dizendo-lhe que havia procurado sua empresa porque, de Belo Horizonte, já conhecia a qualidade do produto. Porém, não queria nada de graça, embora aceitasse desconto, desde, é claro, que não fosse exagerado ou muito significativo”.

Outra experiência houve quando, comprada uma casa para residir, a companhia de águas e esgotos de Goiânia lhe pediu o endereço particular. A empresa deixou uma observação na conta mensal: a água não seria cortada, esgoto não existia. O juiz contestou: “Se atrasar, podem cortar! Não quero tratamento diferenciado, não há razão para isso”.

O meritíssimo tinha razões. Teve de haver-se logo com o mais valioso contrabando de Goiás, constando de mil relógios japoneses, mais de 1.500 gravadores, não sei quantas filmadoras, e assim por diante. A imprensa aproveitou a matéria para manchetes. Assim, com outro episódio de notas falsas para construção de um hospital em cidade do interior e a tentativa de fabricação de moeda e formação de quadrilha.O nosso juiz descansa em paz.

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