Com a alma engarranchada

30/03/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:56

A ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), esteve mais uma vez em Belo Horizonte, a mais recente para pronunciar conferência na aula inaugural da Faculdade de Direito da PUC-MG. Lá estudou e se formou, lecionou, ganhando caminho para a carreira que o Brasil acompanha de perto. 

De perto: primeiro, porque é mulher, e contra elas ainda há, por mais que se negue, certo preconceito pelo acesso do sexo feminino aos mais altos cargos dos três poderes. Mas também era um convite que não poderia deixar de atender, pois a PUC é a sua casa. E, como se diz em nossa terra, Montes Claros, seu e meu berço, não podia fazer feio. 

Ademais, há uma tradição naquele rincão. É o respeito pela mulher, simbolizada entre outras por Dona Tibertina, que teria influenciado fortemente a política local. No ano 30, deu-se o grave incidente de 6 de fevereiro, que resultou na morte e ferimentos graves de muitas pessoas, até altas autoridades no país. O jornalista Assis Chateaubriand denominou o episódio de “Emboscada de Bugres”, título de livro indispensável ao conhecimento dos fatos, de autoria de Milene Coutinho Maurício. Em verdade, mulher do sertão é séria, joga duro por suas convicções e exige respeito. 

Ao chegar à PUC, dias atrás, a ministra recebeu apupo de duas dúzias de pessoas. Ela não se ofendeu, argumentou: “vaia é da democracia, faz parte do jogo”. Na manhã seguinte, aparecia sorridente em foto de jornal de Belo Horizonte, e ela não é de fácil sorriso. 

A presidente da Suprema Corte afirmou o que o povo deste país precisava ouvir: “Nós, do Poder Judiciário, temos plena consciência de que o tempo da Justiça não pode levar décadas, porque o cidadão não pode morrer, sem saber o resultado. Mas o juiz é o menos interessado nessa demora”.

A crítica mais acerba (?) que se faz ao sistema é que a Justiça falha, ao delongar o andamento dos processos, acoimada de responsável maior pela impunidade. Carmen Lúcia foi clara: “Tenho que dizer que é chato você dar uma primeira decisão”... .

Continuou: “... recorrem, depois se dá uma segunda decisão, depois se leva para a turma do STF, aparecem os embargos declaratórios e os agravos. Semanas atrás, tivemos uma ação com decisão só no Supremo pela oitava vez. Há uma hora em que o processo não acaba nunca”. 

A ministra enfatizou que o Brasil tem hoje 16 mil juízes para 80 milhões de processos. O volume excessivo impossibilita uma análise rápida sobre temas complexos que exigem ouvir todos os lados e assegurar o direito das defesas.

Declarou ainda: “sabemos que as demandas não satisfazem às exigências que a sociedade quer. Nós, do Poder Judiciário, temos plena consciência de nosso papel”, reconhecendo modificações e transformações que o próprio Judiciário quer e exige. 

Carmen Lúcia esclareceu à suficiência: “O que vem para o Judiciário são os pedidos de autorização para investigar. É isso o que o procurador-geral da República vem fazendo nesta fase. As denúncias oferecidas são pouquíssimas”. 

Carmen Lúcia pensa em voltar às montanhas, à cátedra, após aposentar-se no STF, no princípio de 2018. Planeja retomar às aulas na PUC-BH: “Estou com saudades dos meus meninos”, declarou. 

E concluiu: “Acho que tenho a alma engarranchada em alguma árvore do norte de Minas”. 

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