O último titã

09/03/2018 às 17:58.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:47

Pouco se ouve sobre Percival Farquhar, que chefiava um grupo norte-americano, pretendente a concessão das grandes jazidas de ferro em Itabira, terra de Drummond, poeta, e do historiador João Camillo de Oliveira Torres. Este afirmou: foi, possivelmente, o primeiro capítulo da luta nacionalista brasileira, pois Artur Bernardes, presidente de Minas e depois da República, era visceralmente contrário à saída dos minérios para usinas estrangeiras. Seu sucessor no Estado, Raul Soares, se recusou a assinar o contrato, em 1921.

Para se entender o caso sem perda de tempo, tão precioso em nossa época, aconselharia recorrer-se a Enéas Athanázio, advogado e escritor de Santa Catarina, que acaba de publicar “Farquhar e Lobato”. Em poucas páginas da Editora Minarete, relata em pormenores a extensa guerra entre o americano e o autor de São Paulo, um cidadão sem medo, que se engalfinhou com o adversário, onde estivesse, por suas ideias e com patriotismo. 

Enéas traça o perfil do magnata. Homem de mil negócios, fundou um império econômico, o Sindicato Farquehar, com tentáculos em grande parte do mundo. Nascido na Pensilvânia, estabeleceu seu grupo em Nova York, após formar-se em engenharia e direito. Lidou com energia elétrica, bondes, terras, gado, frigoríficos, navegação, celulose e papel, madeiras e minérios. Além do projeto para exploração das riquezas de Itabira, recebeu concessão para operação dos portos no Pará e do Rio Grande, construiu a Madeira-Mamoré, a “ferrovia do diabo” ou “da morte, a Estrada de Ferro São Paulo Rio-Grande, sonhando com a interligação de todo o continente, inclusive o famoso trem internacional, blindado e luxuoso trafegar entre Argentina e São Paulo”. 

Está ligado perenemente à história de Santa Catarina, por seus empreendimentos ferroviários, mas também na implantação de grandes serrarias operadas pela Sohthern Brazil Lumber & Colonization Company. Por sua atuação em extensa região, é lhe atribuída a Guerra do Contestado, cujas instalações em Calmon foram invadidas e queimadas pelos revoltosos. Vez por outra, algum periódico recorda esse período de sangue do interior catarinense.

Ainda segundo Enéas, a Lumber, associadas e sucessoras, serraram cerca de um bilhão de árvores, em lugar nada em compensação: “nem uma obra pública, um educandário, um hospital. Até a região amarga a triste condição de ser a mais pobre do Estado”. Lobato, a propósito, criticou: abusadamente, o governo brasileiro está sendo manobrado. Nas sombras pelos piores inimigos do país, que se põem a que o Brasil tenha uma indústria de aço importante, através da qual possamos escapar de nosso lodaçal econômico.

O intelectual catarinense, um entusiasta de Lobato e de suas campanhas, define a posição do paulista diante do riquíssimo ianque: “não passava de um perigoso aventureiro internacional que pregava o entreguismo e encarnava o próprio imperialismo. O escritor temia a ação do americano, em especial sua capacidade de abrir portas de maneira não ortodoxa, através de polpudas propinas, que – segundo seu biógrafo – eram repassadas pro seus advogados e engenheiros bem relacionados, nunca por ele próprio, que seria quacre convicto”. Do empenho de Lobato, vai-se com moinhos de vento, lembrando o personagem fantástico de Cervantes.

Em tempo: o biógrafo em questão é Charles A. Gauld, no livro “Faruhar, o último titã, com 520 páginas.

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