Os Idos de Março, cá entre nós

27/03/2018 às 06:00.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:02

Os Idos de Março ficaram imortalizados, quando Shakespeare os incluiu na sua tragédia sobre Júlio César. Na velha Roma, eram os Idos o dia 15 de março, maio, julho e outubro e o dia 13 dos outros meses no Calendário. O terceiro mês ganhou importância por nele se ter dado o assassinato do Caio Júlio César, 44 anos antes de Cristo.

Ao regressar de suas campanhas na Gália, na Bretanha e na Espanha, cumulado das maiores honrarias, ídolo das suas legiões, elevado a ditador perpétuo da nação, César despertou fortes oposições, que maquinaram sua execução. Entre os conspiradores, “amigos” como Cássio e Bruto, este também filial protegido.

Eis que aparece um adivinho, retratado pelo gênio de Stratford, que o advertiu: “Cuidado com os Idos de Março!” O triunfante romano não deu atenção ao aviso, riu-se, e seguiu para o Senado. Quando discursava, defendendo-se de acusações, foi rodeado pelos conspiradores e Túlio Cimbero o feriu pelas costas, com um punhal. Ia resistir, mas se deparou à frente com Bruto, seu pupilo. Aí houve a frase histórica: “Tu quoque, filius meus”? Cobriu-se o glorioso general com o manto e deixou-se apunhalar, até cair morto.

“Os Idos de Março” foram assim, nas páginas da História, indelevelmente manchados de sangue inocente derramado pela política. Mas no Brasil, descoberto por Cabral (o Pedro Álvares, o português; não o outro, que governou o Estado), também se deu um episódio praticamente correspondente à data: no dia 14 de março de 2018, na rua Joaquim Palhares, no Estácio, região central do Rio de Janeiro, a vereadora Marielle Franco foi assassinada. 38 anos, foi morta a tiros, por volta das 21h30, depois de participar de uma reunião sobre a égide “Jovens Negras/Movendo as Estruturas”, na Lapa. 

A edil teve uma vida de sacrifício, como outras milhões de brasileiras. Negra, nascida na região não muito pacífica da Maré, onde vivia, foi mãe aos 19 anos e quinta vereadora mais votada, em 2016. Lésbica, tinha como bandeira de luta o feminismo e a defesa da população das comunidades, antes classificadas como favelas. Digna de elogios pelo esforço para formar-se Socióloga pela PUC-Rio, mestra em administração pública pela Universidade Federal Fluminense, teve como tema de dissertação –“UPP: a redução da favela a três letras”.

Contrária à intervenção de tropas federais na segurança no Rio, não poderá acompanhar as investigações e ver o desfecho da medida adotada contra a violência naquela unidade da federação; na Cidade Maravilhosa, cantada em verso e prosa, e degradada no decorrer do tempo. 

Perguntava Marielle, pouco antes de ser assassinada, com o motorista Anderson Pedro Gomes: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?” Há uma infinidade de pistas e a resposta não será respondida, com a velocidade que se desejaria. O universo feminino e carioca é imenso e há águas revoltas e muita lama a ser removida, além de interesses espúrios e criminosos. Quanto a isso, não há dúvida. 

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