Um médico que ama choro

08/12/2016 às 19:26.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:00

Procuro dar pausa à sucessão de comentários sobre a preocupante situação política do Brasil, incessante no noticiário de todo o país e, por sua agudeza, alcançando a mídia internacional. Não só os brasileiros, mas todos os que se inteiram dos fatos perguntam: que país é este?

Mas o Brasil felizmente tem também aspectos e personagens singulares. Refiro-me, por exemplo, a Luiz Otávio Savassi Rocha, que o meio médico mineiro imediatamente identifica como graduado pela Faculdade de Medicina da UFMG, fundada em 1911 e pela qual passaram grandes expressões, não só da arte e ciência hipocrática, mas também da própria vida brasileira. Juscelino deve ser lembrado.

Pois Luiz Otávio colou grau na faculdade da avenida Alfredo Balena, em 1968. É professor emérito de Clínica Médica, título outorgado em 2010, meia dúzia de anos atrás. Nascido em Belo Horizonte, seu pai, Cristóvão Colombo Rocha, era de Cordisburgo, que a gruta de Maquiné e o escritor João Guimarães Rosa, também médico, incorporaram à admiração nacional.

Talvez influenciado pela lição de Cervantes (cujo quarto centenário de falecimento ora se registra), de que “donde hay música no puede haber cosa mala”, Luiz Otávio se aproximou da música. Dedica-se a ela, inclusive por estar em seu genes, pois descende de italianos.

A partir de reuniões semanais num bar da rua Vila Rica, no Padre Eustáquio, o médico se integrou a um grupo de pessoas “gamadas” (se me permitem o vocábulo) com o choro, gênero musical especialmente querido por muito mais brasileiros e não brasileiros, do que se pensa.

Luiz Otávio, em seu “História do Choro”, este ano publicado, lembra sua infância: “Naquele tempo, Belo Horizonte – a “Cidade Jardim” – desconhecia a violência urbana, a poluição sonora e a poluição atmosférica; suas ruas, em especial no bairro dos Funcionários, recendiam a damas-da-noite, manacás e jasmins. Morei ali durante oito anos, ouvindo os sinos da Igreja da Boa Viagem, os acordes das bandas de música que abrilhantavam as festas religiosas e as comemorações das datas cívicas, os grandes tenores italianos, em discos de vinil, de 78 rotações – com destaque para Beniamino Gigli”. 

O médico-músico conta sua vida, sua história rica em vínculos com a cidade natal e fiel às origens. No bar do Progresso, confirmou-se plenamente seu amor preferencial pelo choro, contando com adesão dos filhos, que o coadjuvam artisticamente, e com a conivência de Ana Maria, a esposa. 

Na rua Vila Rica, uma espécie de quartel-general do choro na capital, comparece às quintas-feiras, para a amável reunião do Clube do Choro de Belo Horizonte, entidade fortemente constituída e em pleno exercício de suas atividades estatutárias. Seus diretores são destaques em suas profissões, como o próprio Luiz Otávio, o comunicador Acir Antão, presidente, e o conselheiro, o publicitário Hamilton Gangana.

O livro editado, ao ensejo dos dez anos do clube, é uma verdadeira enciclopédia sobre o choro. O precioso volume descreve o fim trágico de Ernesto Nazaré, encontrado morto no Rio de Janeiro, num riacho em Jacarepaguá, em posição vertical, de pé, dentro d’água, com as mãos para frente, como se tocasse piano. Talvez um choro. 

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