A causação circular

07/02/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:44

Quando se vive uma crise econômica muito profunda, capaz de nos atormentar, há uma tendência de acreditarmos, em algum momento, que se chegou ao fundo do poço e que tudo tende a melhorar a partir daí. Muitas vezes um espasmo mensal de crescimento no ciclo econômico passa a ser confundido com o início de uma nova fase de prosperidade da economia.

A expansão do emprego localizada em um setor específico faz surgir esperança de que as taxas de desemprego irão diminuir de forma generalizada ou a ilusão de que o reequilíbrio de força entre as potências econômicas mundiais será alterado por causa de novo evento político e que o processo de globalização econômico-financeira vai se redinamizar e abrir novas oportunidades de comércio.

A dificuldade maior é que, em economia, muitas vezes, existe um fenômeno denominado de causação circular de efeitos acumulativos, de tal forma que uma ação gera reações que se acumulam e se aprofundam na mesma direção em um ciclo vicioso e não na direção oposta de um reequilíbrio virtuoso.

Por exemplo, um país mais pobre e de baixa renda não dispõe da poupança necessária para financiar os investimentos que poderiam ampliar a sua capacidade produtiva com mais fábricas, mais áreas agricultáveis, mais infraestrutura econômica e social e mais empregos. Menor capacidade produtiva significa menor capacidade de gerar uma renda nacional maior, o que está associado com menor nível de poupança da sociedade. Fecha-se, assim, o ciclo vicioso da pobreza, ou seja, pobreza gera mais pobreza.

O mesmo pode ser dito da recessão econômica: recessão econômica gera mais recessão econômica e não um eventual fundo do poço a partir do qual pode ocorrer um processo de retomada econômica. O fundo do poço da economia é uma imagem ilusória da síndrome do W e do V, segundo a qual após a queda do nível de renda e de emprego, em algum momento deverá emergir, pelas forças do mercado, a retomada do crescimento (V), ainda que possa vir a ocorrer um duplo mergulho seguido de uma dupla retomada (W). 

Há três mecanismos através dos quais o processo recessivo de hoje pode se tornar o embrião da recessão econômica de amanhã. Em primeiro lugar, se a recessão se prolonga, cria-se uma capacidade ociosa nas fábricas e na infraestrutura da economia, o que não incentiva novos investimentos que poderiam propulsionar os níveis de emprego e de renda. Não se investe porque fica a impressão de que se investiu em excesso no passado.

Em segundo lugar, desempregados não têm renda para financiar os seus gastos de consumo, por isso reduzem a demanda de encomendas às empresas que são induzidas a desempregar mais. O desempregado de hoje poderá ser a causa do desempregado de amanhã, enredados pela causação circular acumulativa da recessão.

Em terceiro lugar, o governo que poderia realizar investimentos adicionais em infraestrutura e ativar os efeitos multiplicadores de emprego e renda, não tem como financiá-los diante da redução persistente de receitas tributárias num regime recessivo.

Como interromper essa causação circular que acumula mazelas sociais e mal-estar econômico? Como iniciar um processo de causação circular onde o empregado de hoje poderá favorecer o empregado de amanhã, onde o gasto público se multiplique em receita pública e o consumo reative os negócios?

É necessário construir as bases de uma nova política econômica de ajuste com crescimento a qual, de início, precisa acelerar a queda nas taxas de juros a fim de oxigenar as expectativas dos agentes econômicos. Não é possível conviver com taxas de juros nos limites da agiotagem financeira, que sufocam empresas e governos endividados e ampliam os ganhos especulativos dos detentores da riqueza financeira nacional. 

Keynes dizia que o capitalismo somente poderia encontrar legitimidade se as pessoas de rendas mais modestas continuassem a acreditar que as pessoas mais ricas mereciam sua sorte graças às suas contribuições construtivas para a sociedade, e não graças à especulação e ao roubo.

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