O endividamento das famílias brasileiras

23/01/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:30

A retomada do crescimento da economia brasileira deverá ser muito lenta. Não se deve esperar que o país volte a crescer a taxas de 3 a 4 por cento nos próximos dois anos. A longo prazo, o crescimento depende do ritmo de acumulação de capital, com investimentos em novas fábricas e expansão das existentes, assim como com investimentos em infraestrutura econômica e social.

A acumulação de capital deve se realizar com inovações tecnológicas visando à aceleração da produtividade total dos fatores de produção. As inovações precisam ser multifacetadas: novos produtos, novos processos de produção e de consumo, novos mercados e novas formas de organização institucional. O que, em última instância, dependerá de engenho e arte dos brasileiros ancorados por um sistema educacional de excelente qualidade e de acesso democrático sem discriminação social.

Por outro lado, quando a economia se encontra em recessão com imensa capacidade ociosa de homens e máquinas, o crescimento econômico passa a depender da dinamização da demanda agregada. A demanda de consumo e de investimento para absorção interna da produção de bens e serviços, assim como a absorção externa através das exportações brasileiras para os demais países.

No entanto, o que impacta a decisão de investimento do empresariado em um contexto em que tudo o que podem produzir é bem superior ao que já estão produzindo e vendendo? São as expectativas da economia no médio e no longo prazo em relação às condições políticas do país, o custo do dinheiro, a conjuntura econômica mundial, etc.

As condições de competitividade global, da política cambial, da qualidade da infraestrutura econômica e social são fatores que levam um país a exportar. Infelizmente, no caso brasileiro, todos esses aspectos apresentam sinal negativo: o atraso tecnológico nos nossos sistemas produtivos com raras exceções (o agronegócio é, sem dúvida, a mais destacada) e a política cambial titubeante que não assegura um horizonte de estabilidade para as decisões empresariais.

Somado a isso há que se considerar a nossa precária infraestrutura face ao lento processo decisório do Governo em transformar alguns dos seus segmentos em áreas de negócios privados, além de estar convivendo internamente com uma grave crise fiscal de insolvência financeira.

Resta, pois, analisar se o consumo das famílias brasileiras será suficientemente intenso para impulsionar uma economia brasileira em estado depressivo. Há muitas dificuldades e problemas nesse sentido. As famílias somente voltarão ao consumo com maior intensidade se melhorarem as perspectivas nos mercados de trabalho, as condições de financiamento e a recomposição da renda real familiar per capita.

Mas há outra questão: o nível de endividamento das famílias brasileiras bem acima dos padrões normais. No Fórum Nacional de setembro do ano passado, mostrou-se que o comprometimento de renda das famílias que, em 2005, era inferior a 16 por cento, atingiu recentemente 22 por cento da renda disponível. O comprometimento de renda se define como os fluxos de despesas com amortizações e juros proporcionalmente à renda que as famílias dispõem para consumir ou poupar.

Se retirarmos os financiamentos de prazos mais longos com taxas de juros mais baixas, ainda assim o comprometimento ainda é muito elevado, de 19,5 por cento da renda disponível das famílias. Elevado, por exemplo, quando o estudo do Fórum Nacional o compara com o comprometimento de renda em vários países: Itália (4,6%), França (6,2%), Alemanha (6,5%), Espanha (7,3%), Portugal (7,8%), etc.

Em alguns países, onde esse comprometimento é muito mais elevado do que no Brasil, os prazos de financiamento são muito maiores e as taxas de juros muito menores. É o caso dos Estados Unidos, onde o comprometimento cai para 8,3 por cento da renda familiar disponível quando se retira do estoque da dívida as hipotecas com prazos de 20 a 30 anos. Além do mais, as taxas de juros de mercado de curto prazo norte-americanas são praticamente iguais a zero.

Esse endividamento tão elevado das famílias brasileiras traz alguns riscos e muitas incertezas. Riscos de inadimplência muito altos e incertezas sobre as chances de novos endividamentos para expandir o consumo. Na verdade, o padrão de consumo das famílias somente crescerá de maneira estável com a queda do desemprego, o aumento da produtividade da mão de obra e as taxas de juros em níveis civilizados.

Se há dificuldades por todos os lados para se dinamizar a demanda agregada, estaríamos fadados a nos transformar em um país de baixo crescimento, de alto desemprego e de empobrecimento da classe média por muitos anos à frente? Definitivamente não.

A experiência histórica mostra que é possível superar esse contexto de grave crise econômica e social através do que Karl Polanyi denominou, em 1944, a Grande Transformação, a qual se caracteriza pelas mudanças institucionais, reformas micro e macroeconômicas, redefinição do papel do Estado na economia, novas formas de inserção da economia na divisão internacional do trabalho, etc.

Tudo isso pressupõe lideranças políticas que não comandem a vida do país como se o exercício do poder fosse um grande balcão de negócios com uma base aliada, a qual coloca os seus interesses velados acima dos interesses da população. O Brasil continua carente de estadistas.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por