POST HOC ERGO PROPTER HOC

14/01/2017 às 12:10.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:25

 No início da estação da Primavera, um feiticeiro veste o seu manto inteiramente na cor verde. As árvores crescem, as flores brotam e as paisagens se cobrem de um verde exuberante. Muitos passam a acreditar que ocorreu uma transformação do ambiente porque o feiticeiro vestiu seu manto. Uma falácia causal que a Lógica Formal denomina em Latim de “post hoc ergo propter hoc” (“depois disso, logo causado por isso”). Essa falácia lógica é também denominada de “correlação coincidente”, que consiste na ideia de que dois eventos que ocorram em sequência cronológica estão necessariamente interligados através de uma relação de causa e efeito.

Muitas vezes um fenômeno que sofre mudanças por causas necessárias e suficientes pode até mesmo se transformar quando se acionam apenas as causas necessárias porque, eventualmente, as causas suficientes ocorreram por fatores exógenos. Chega-se, assim, a uma conclusão equivocada sobre as causas da transformação, baseando-se unicamente na ordem dos acontecimentos, sem levar em consideração outros fatores que possam vir a excluir ou a confirmar tal inter-relação ou conexão causal.

Os economistas tendem a trabalhar com modelos abstratos incrustados em suas estruturas mentais visando a elaborar uma versão simplificada de uma situação ou fenômeno complexo da realidade. Em geral, essa versão contém elementos e relações em uma escala suficientemente simples para a análise sistemática dos problemas envolvidos, e suficientemente frutífera e relevante para a compreensão das circunstâncias complexas do fenômeno ou situação.

Os modelos abstratos dos economistas incorporam, cada vez menos, componentes institucionais, históricos e psicossociais da realidade sobre a qual intervêm com suas políticas econômicas. Diminuem, assim, de forma significativa, a sua capacidade de predizer as mudanças que podem ocorrer a partir dos instrumentos que controlam (taxa de juros básica, taxa de câmbio, déficit ou superávit primário); produzem um sistema teoricamente consistente, coeso e exato, o que lhes permite tergiversar sobre a política econômica com otimismo em relação aos resultados esperados.

A atual política econômica do Governo Temer baseia-se num modelo de austeridade fiscal, o qual pressupõe que a condição necessária e suficiente para que haja um processo de retomada do crescimento econômico no Brasil é o reordenamento das finanças públicas nos três níveis de Governo. E que esse reordenamento se processará através de ajustes e reformas, algumas das quais já iniciadas com grande sucesso.

Entretanto, experiências recentes que vêm sendo realizadas com o modelo de austeridade, particularmente em países da União Europeia, mostram que, se o reequilíbrio fiscal é absolutamente indispensável para criar uma expectativa favorável ao crescimento econômico no sentido de favorecer a redução das taxas de juros e abrir espaço para os investimentos privados nos mercados financeiros, esse reequilíbrio não é suficiente. Há motivos para isso.

Em países como o Brasil, onde o aparelho estatal é tão mal gerenciado e ineficiente, onde há uma inquestionável inaptidão das lideranças políticas e a corrupção administrativa estende seus tentáculos nos três níveis de governo, o reordenamento fiscal é um processo muito longo, intermitente, recessivo e desalentador. A prova desse enredo confuso e intrincado é o fato do Governo Federal trabalhar com déficit primário de R$ 170 bilhões e R$ 139 bilhões em 2016 e 2017, respectivamente. Algo absolutamente peculiar para quem defende a austeridade fiscal.

As medidas que foram propostas até agora para a retomada do crescimento econômico, ou não têm a intensidade e a cadência necessárias para dar um empurrão expressivo numa economia que precisa sair do atoleiro depressivo ou somente irão gerar resultados positivos no médio e no longo prazo. Enquanto isso, a taxa de desemprego aberto pode caminhar para 13%, cresce o número de empresas de diferentes escalas produtivas que poderão sair do mercado e aumenta o nível de insatisfação popular com um governo que nasceu sob o signo da esperança.

Assim, não há como esquecer a experiência de gestão da economia brasileira de Campos e Bulhões que souberam, nos anos 1960, integrar com inteligência a elaboração e implementação de um programa de estabilidade monetária acoplado a reformas macro e microeconômicas em um plano decenal de desenvolvimento. Uma combinação necessária e suficiente para produzir “o milagre econômico” do início dos anos 1970. É bom lembrar que o galo canta antes do nascer do sol. Mas o sol não nasce porque o galo canta.

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