As hipocrisias nossas de cada dia

09/06/2017 às 20:22.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:00

Eu não gosto de me imaginar na pele do comprador de um carro zero quilômetro no Brasil, por mais que o mercado tenha evoluído anos-luz nas últimas décadas em termos de tecnologia e opções. Alguns vícios e comportamentos seguem antiquados e soam quase como deboche a quem muitas (ou na maioria das) vezes trabalha meses, anos, juntando o dinheiro que vai permitir o sonho do modelo novo. Quem tem mais certamente se preocupa menos, mas considerando que a distribuição de renda é injusta, para o grosso da população estamos falando de um investimento significativo, um bem a ser conquistado a base de muito suor.

Quer exemplos? Basta prestar atenção a cada novo lançamento. Aquela velha história do “preços a partir de...”. Eis que se chega na concessionária procurando o modelo de entrada na versão mais básica e a conversa é sempre na linha do “ah, esse eu não tenho, precisaria de uns dois meses para conseguir. Mas tem ele aqui com vidro elétrico e ar condicionado, só R$ 3 mil a mais”.E como se trata de fenômeno comum às montadoras, o consumidor acaba cedendo à empurroterapia e pagando pelo que não precisava, ou não queria.

Pagar, aliás, é algo que os brasileiros fazem muito pelo veículo novo. E já foi o tempo em que a conversa da carga tributária elevada servia como única explicação. O percentual de impostos é imoral, sim, mas não é a justificativa solitária. As margens de lucro são elevadas, assim como os custos embutidos – e o mesmo vale para as peças de reposição ditas “originais”, ou os custos da manutenção periódica. E já nem é o caso de comparar os valores praticados por aqui com os dos Estados Unidos, que só servem para provocar raiva, mas espelham realidades econômicas distintas.

Quer um exemplo? O mesmo Fiat Mobi que parte, por aqui, de R$ 29.900, chega ao México custando R$ 22.400 (e mesmo a versão aventureira Way, por lá, sai mais barata do que o basicão verde e amarelo). Ok, o motor não é o mais avançado Firefly, mas a diferença não se justifica (ou não deveria). E chega a ser absurdo constatar que modelos compactos básicos, como o Toyota Etios, beirem os R$ 60 mil em algumas configurações. É caro, muito caro, e não devia – felizmente a nomenclatura de “carro popular” da década de 1990 desapareceu, já que, de popular, modelo nenhum à venda no país tem mais. É o caso de se perguntar se um dia veremos a realidade mudar, ou se será assim para sempre. É sempre bom lembrar que a lógica do mercado é a da oferta e da procura – se o cliente começar a bater o pé ou optar por um seminovo mais em conta, talvez os preços cheguem à realidade.

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