O paraíso da esperteza

03/02/2017 às 19:26.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:41

Na coluna da semana passada falei sobre o péssimo hábito de falar ou manusear o telefone ao volante que nem mesmo o aumento do valor da multa (e da gravidade da infração) parece inibir, especialmente quando os motoristas se escondem atrás de películas muito menos transparentes do que deveriam. Antes fosse esse o único pecado.

Aliás, até hoje não sei o que é pior: se a insistência de muitos condutores de veículos em desrespeitar as normas de trânsito ou a presença de uma desculpa pronta na ponta da língua para justificar o comportamento inadequado (como se houvesse justificativas). “Ah, mas todo mundo faz”; “foi só um minutinho”; “não tinha perigo” é o que mais se ouve. E que não se pense que é “defeito” exclusivo dos brasileiros – outro dia mesmo, na Austrália, um motorista tentou recorrer da multa por excesso de velocidade alegando que seu carro foi “empurrado pelo vento” e, por isso, passou pelo radar 17km/h acima da máxima permitida. Foi parar no Twitter da polícia local como exemplo de ridículo.

Talvez os psicólogos e filósofos consigam explicar esse péssimo hábito – como não é a minha especialidade, eu só queria entender. Saber o que se passa na cabeça de alguém que, diante de uma placa de conversão proibida, insiste na manobra como se nada fosse. Estaciona numa vaga prioritária sem ter direito ao privilégio (muito justo, aliás), para em fila dupla numa porta de escola, ultrapassa pela direita, isso quando não tenta avançar pelo acostamento – e eu poderia gastar várias colunas citando exemplos de pecados sobre rodas (nem vou falar da falta generalizada de gentileza e solidariedade e da guerra diária por espaço em nossas ruas).

A situação se torna tão mais grave com a volta às aulas, não só pelo comportamento de pais e dos universitários que usam seus carros para estudar, mas pelo simples fato de que a maior quantidade de veículos em circulação expõe os gargalos; escancara o fato de que Belo Horizonte e várias grandes cidades do Brasil não souberam acompanhar o crescimento de sua frota com o desenvolvimento da malha viária. Cada pequena transgressão muitas vezes embola o trânsito de tal forma que o efeito-dominó reflete a quilômetros de distância, e quem não tem nada a ver com isso se torna igualmente vítima da lentidão.

Aí começa outro esporte popular por essas bandas: colocar a culpa no outro. Sempre é a prefeitura que não faz, os agentes de trânsito que não fiscalizam, a obra que deveria estar pronta e não está. Será mesmo tão complicado admitir nossa parcela de culpa para a situação caótica? Eu ainda espero que, um dia, deixemos de viver no paraíso da esperteza. Porque pior, infelizmente, sempre pode ficar...

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