Escudo para suínos: desenvolvida em Viçosa, vacina contra vírus letal obtém patente dos EUA

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
08/07/2017 às 11:57.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:27
 (fotos ufv/divulgação)

(fotos ufv/divulgação)

A primeira vacina 100% brasileira contra circovirose, uma das doenças mais prevalentes na suinocultura, foi desenvolvida em território mineiro e já conquistou a primeira patente, obtida nos Estados Unidos. O sinal verde para o pedido de propriedade intelectual foi recebido há poucas semanas, apenas dois anos após o depósito no país norte-americano. 

“Berço” da dose e onde a doença acarreta grandes prejuízos econômicos, o Brasil, por sua vez, deve levar ao menos sete anos para decidir pela aprovação do pedido de patente, solicitado em 2013, se considerado o tempo médio das análises. Enquanto isso, apenas vacinas importadas estão disponíveis.

Coordenadora da pesquisa, Márcia Rogéria de Almeida Lamêgo, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Viçosa (UFV), diz que os principais diferenciais da dose são a utilização de um genótipo mais patogênico, que alcança um espectro maior de vírus, e a eficiência assegurada. 

“Os lotes costumam ter cargas diferentes de antígeno. Por isso, desenvolvemos paralelamente um teste que captura a quantidade de antígenos presentes em cada partida vacinal”, detalha a pesquisadora. O kit também foi patenteado.

Os resultados obtidos nas provas de campo, em camundongos e suínos naturalmente infectados, mostraram ainda que o protótipo desenvolvido tem eficiência superior à das vacinas importadas disponíveis no mercado.

Depósitos foram feitos no Uruguai, Argentina, China, Rússia, Colômbia e México; grandes consumidores de suínos

15 anos de pesquisa

anos de trabalho desenvolvido por uma equipe de 17 profissionais. A expectativa é a de que a dose contra o vírus PCV2 chegue ao mercado brasileiro nos próximos dois anos, já que a distribuição comercial depende da conclusão de testes industriais e da aprovação do produto junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). 

“É possível a comercialização sem patente, mas a proteção no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) evitaria a concorrência. Esperamos que isso não demore”, diz o diretor da Comissão Permanente de Propriedade Intelectual (CPPI) da UFV, Rodrigo Gava. 

A tecnologia da vacina foi apresentada a diversas empresas especializadas em saúde animal sediadas no Brasil. Uma delas, com melhor proposta comercial, foi a vencedora e realiza, desde 2013, adaptações e testes. O nome da instituição não pode ser divulgado.

Além da patente nos EUA, os titulares da tecnologia (UFV e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) solicitaram proteção intelectual em outros oito países, incluindo o Brasil, e na comunidade europeia. 

No Brasil, as demandas por patente, realizadas junto ao Inpi, seguem as seguintes etapas: depósito do pedido, exames formais, sigilo por até 18 meses, publicação para conhecimento de terceiros, exame de mérito, deferimento ou indeferimento e concessão

UFV/Divulgação 

PESQUISA – Vacina consumiu 15 anos de estudos e dedicação de cientistas até ser desenvolvida no laboratório da UFV

O sequenciamento do DNA do vírus, feito na UFV, foi o primeiro da América Latina a ser depositado no GenBank – banco de dados de sequências genéticas de seres vivos e aminoácidos do Centro Nacional de Informação Biotecnológica, nos EUA

No Brasil, espera por patente leva 11 anos até parecer final

O cenário dos pedidos de propriedade intelectual no Brasil está longe de se aproximar do existente nos Estados Unidos, por exemplo, onde um depósito é avaliado em até dois anos, ou da Coreia do Sul, que toma decisões em até dois meses, dependendo do teor da patente solicitada. Por aqui, o tempo médio de apresentação dos pareceres é de 10,8 anos e não há expectativa de mudança.

A patente é uma espécie de proteção, que dá direito exclusivo por um longo período de tempo sobre um produto ou processo. Os países mais rápidos são os citados acima, mas os vizinhos sul-americanos, como Colômbia e Peru, também levam quase seis vezes menos, de dois a três anos, em relação às avaliações feitas no Brasil.

Para se ter uma ideia, atualmente há 243.820 pedidos de patente pendentes de decisão final. Somente este ano, até maio, conforme dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), foram depositados 11.601 novos pedidos. Pouco mais de 2 mil foram concedidos neste período – referentes a depósitos realizados muitos anos antes – e 22.134 decisões foram formalizadas.

Diretor de Patentes do órgão – autarquia federal responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria –, Júlio César Moreira afirma que não há previsão para uma mudança de cenário, classificado por ele como “horroroso”. 

“Temos um  um atraso, que é histórico e estrutural. E não há expectativa de redução desse tempo, apesar da onda de globalização e dos acordos de livre comércio que fazem da propriedade intelectual fator preponderante de acesso dos empresários ao mercado globalizado”, diz.

Um dos principais motivos da longa fila de espera, de acordo com o diretor, é o número deficitário de servidores designados para a análise dos pedidos depositados. O Inpi dispõe de 1.103 servidores ativos, podendo acrescentar outros 717 funcionários, conforme a legislação. Do total, 459 são examinadores de patentes. 

Em uma conta rápida, são mais de 500 pedidos para serem analisados por cada servidor, caso a fila de espera se mantenha inalterada. Todos os anos, porém, cerca de 30 mil depósitos são feitos.

Alguns pedidos têm prioridade na fila do Inpi, dentre eles depósitos feitos por pessoa com 60 anos ou mais, projetos cuja concessão seja condição para a obtenção de recursos financeiros ou subvenção econômica, tecnologias verde e aqueles voltados para saúde, considerados estratégicos para o SUS

  

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