Pais sem dever de casa: escola que ensina, lava uniforme e corta cabelo divide opiniões

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
16/07/2017 às 07:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:35
 (Divulgação)

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Se um gênio da lâmpada te desse a chance de se livrar da parte “chata” da criação dos filhos, você toparia? Cederia à tentação de delegar o lado B da paternidade a terceiros em nome de um tempo a mais de diversão com a prole? Ou resistiria, por considerar que responsabilidades como alimentação balanceada e cabelos sempre aparados também entram no pacote? O debate, que já era quente quando abordava a questão da babá, pegou fogo após repercutir nas redes sociais a história de uma escola paulista que oferece bem mais do que a educação formal: casa, comida e roupa lavada, quase que literalmente. 

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Cobiçado por uns, condenado por outros, o combo – demandado, conforme a escola, pelos próprios pais – é um ponto de apoio para que as mães, ocupadas também com a casa e o trabalho, possam curtir os filhos com mais qualidade e tempo. 

Professora na Faculdade de Medicina da UFMG e presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), a neuropediatra Cláudia Machado Siqueira é enfática ao analisar o assunto. Segundo ela, o vínculo familiar acaba fragilizado. 

“Sou a favor de escola integral, uma ajuda na criação e garantia do desenvolvimento pleno dos filhos. Mas a coisa radical, de uma escola onde não se pode opinar sobre o corte de cabelo da criança ou o tipo de alimentação, onde há uma padronização, para mim, não é ideal. Passa-se a terceirizar a questão do cuidado, da criação”, diz. 

Presidente do Comitê da Primeira Infância da SMP, Laís Maria Santos Valadares e Valadares compartilha da opinião e sugere cautela. Ela explica que é nos primeiros anos de vida que são desenvolvidos os vínculos parentais responsáveis pelo desenvolvimento psico-emocional da criança. “Não podemos julgar, mas é preciso ter consciência das dificuldades que nos rodeiam ao optarmos por ter filhos. Requer trabalho, às vezes renúncia, muita responsabilidade, amor e afeto. É impossível criação com qualidade sem o mínimo de quantidade. O homem de amanhã se faz principalmente nos três primeiros anos de vida”, alerta. 

“Quando responsável e afetiva, a babá é muitas vezes necessária, podendo ser uma opção para os pais, nunca uma substituta. Temos que lembrar sempre: os primeiros anos de vida valem para sempre” - Laís Valadares e Valadares, presidente do Comitê da Primeira Infância da sociedade mineira de pediatria

Passar conhecimentos deve ser a prioridade da instituição

Muito mais do que escolher a escola pela amplitude e flexibilidade dos horários disponíveis ou pela quantidade de atividades que apresenta, é preciso que os pais selecionem a instituição pelas características que guarda em comum com a educação que é oferecida em casa.

Pedagoga e mestre em educação, a supervisora pedagógica da Editora Positivo, Raphaela Ribas Lupion Gubert, lembra que o papel primordial dos estabelecimentos de ensino é dar ênfase à aquisição de conhecimentos. 

“A família é responsável pela formação moral e educação ética e social da criança. À escola cabe formá-la dando continuidade à educação familiar e ênfase à aquisição de conhecimentos, reflexões sobre atitudes, condutas e posturas coletivas e individuais. É aí que se instala o conflito”, explica. 

Segundo a especialista, envolvida diretamente nos processos educativos das escolas e que atua há 13 anos com formação pedagógica, apesar de o modelo escolar em questão atender a uma demanda apresentada pelos pais, é importante ter em mente que em algum momento do dia a relação pai e filho precisa estar presente e ser fortalecida. 

“É necessário sentar para ouvi-los (os filhos), saber como foi o dia na escola, o que aprenderam e dar continuidade ao processo sob outra perspectiva que não a de formação de conhecimento. É a hora também de compartilhar as angústias e os desafios que enfrentamos nas diversas fases da vida”, reforça. 

De acordo com Raphaela Gubert, há coisas que a escola não consegue fazer pela família. O grande desafio, na avaliação da pedagoga, é resgatar a importância da humanização, refletindo, sempre, sobre a formação do jovem. 

“O grande desafio do século 21 é humanizar os humanos. Há coisas que não podem ser substituídas: amor de pai e mãe não há como ser ofertado”, pontua.

ENTREVISTA:

psicóloga e pedagoga, diretora da escola Ponto Omega, em São Paulo

Qual é a linha pedagógica seguida pela Ponto Omega e o perfil dos clientes atendidos?
O Berçário e Escola de Educação Infantil Ponto Omega trabalha com a linha teórica de Vygotsky (sócio-construtivismo). Atendemos crianças a partir de 3 meses e prestamos serviço para famílias de classe média alta. São 40 crianças no total. É possível escolher períodos de 4, 6, 8, 9 ou 12 horas. 

A oferta de comida congelada, de babá, lavagem de uniforme e corte de cabelo foram demandas dos pais? Como foi incorporar esses serviços e como eles funcionam?
Temos à disposição mudas de roupa para todas as variações climáticas. A ideia era liberar a criança para todas as atividades, sem a preocupação se ela teria ou não roupa para ser trocada, e liberar a mãe da obrigação de arrumar as mochilas para serem levadas todos os dias. Aqui não são lavadas roupas que vêm de casa. A partir dos 3 anos, os alunos permanecem com os uniformes com que vieram de casa. A oferta de sopas e outras comidinhas para serem levadas é uma solicitação dos pais. Sem babá ou empregada, eles preferiam um alimento balanceado aos processados, industrializados.

E as babás, como funciona o serviço?
Não temos e não recomendamos babá para nenhuma família. As nossas professoras, formadas em pedagogia, se estão com agenda livre se colocam à disposição para ficar com as crianças, caso os pais precisem sair à noite ou no fim de semana. As crianças ficam bem olhadas, com quem já estão acostumadas, e os pais, tranquilos. Sobre o corte de cabelo, como aos sábados os salões de São Paulo são muito requisitados, os pais sugeriram o serviço para evitar de levar as crianças em um dia em que poderiam estar com elas em ambientes mais adequados.<EM>

Enquanto psicóloga, como você analisa essa necessidade cada vez mais constante de ter na escola um complemento às funções de pai e, principalmente, de mãe? 
Os pais de hoje não podem mais contar com a rede de sustentação de anos atrás. Hoje, os avós não estão mais tão disponíveis, pois todos têm os próprios compromissos sociais. Entre deixar a criança em casa com uma babá, nem sempre capacitada, e deixá-la na escola, eles optam pela escola. O mesmo se dá com a alimentação. Entre preparar alimentos menos saudáveis ou comprar comida pronta, mil vezes oferecer um alimento preparado com orientação de nutricionista especializada. Porque recusar o apoio das professoras quando os pais precisam sair? O casal tem que abdicar da vida a dois porque não tem com quem deixar a criança enquanto sai para jantar? Quais as opções? Constranger familiares para ficar com os filhos, deixá-los aos cuidados de estranhos?

Como você interpreta, então, as reações negativas nas redes sociais a esse novo modelo oferecido pela Ponto Omega? Qual a sua opinião?
As pessoas que criticam não sabem do que estão falando. Aliás, escola nunca foi prioridade no Brasil. Em todos os países de primeiro mundo as crianças ficam na escola o dia todo, aprendendo, e muito! No Brasil, as pessoas estão atrasadas e acham que é melhor deixar a criança no computador, em casa, muitas vezes sozinha e sem ter o que fazer, do que deixá-la na escola. Quanta hipocrisia! Por isso estamos como estamos e onde estamos, andando para trás! Deixar crianças aos cuidados de alguém, menos preparado para lidar com criança, como motoristas e/ ou babás, enquanto eles trabalham ou saem é a melhor opção? O que fazemos não é terceirização da educação! Os pais que nos procuram sabem que não estão terceirizando afeto, mas serviços. Eles querem e buscam o melhor para os filhos e, aqui, no Ponto Omega, eles sabem que podem contar conosco e encontrar tudo isso. Editoria de Arte

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