COMPORTAMENTO

Solta a voz: fobia de falar em público é maior que medo da morte, mas pode ser tratada; saiba como

Izamara Arcanjo
Especial para o Hoje em Dia
Publicado em 16/04/2022 às 14:37.
Léo Cardoso, professor em cursos de locução e oratória: “Não se trata de perder o medo. Precisamos é fazer a gestão, o controle emocional” (Arquivo pessoal)

Léo Cardoso, professor em cursos de locução e oratória: “Não se trata de perder o medo. Precisamos é fazer a gestão, o controle emocional” (Arquivo pessoal)

Falar em público está no topo da lista de situações que provocam medo em pessoas do mundo todo. Chega a superar o temor dos problemas financeiros, doenças e até mesmo da morte, de acordo com estudo realizado pelo jornal britânico Sunday Times. De acordo com um estudo realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências Fono-audiológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quase 60% dos universitários no Brasil “tremem na base” na hora de apresentar trabalhos em sala de aula. Mas o problema tem solução.

Paulo Felipe Rodrigues era um destes estudantes. Na faculdade, sempre foi “caxias”, do tipo que estudava muito, fazia ótimos trabalhos. Na hora das apresentação, porém, sempre deixava a difícil tarefa para os colegas. 

“Eu sentia que ia desmaiar, não queria estar naquele lugar. Por isso ia deixando que meus colegas tivessem toda a visibilidade de um trabalho que eu tinha feito”, lembra o jovem. “Nesta época já havia percebido que as coisas precisavam mudar. Caso contrário minha, carreira ficaria prejudicada”, diz.

Formado em Administração, Paulo conta que as dificuldades com a comunicação verbal o acompanharam por muitos anos, o que ficou ainda mais evidente quando ele foi pleitear uma recolocação para um cargo de chefia na Fundação Dom Cabral. 

“Fui à diretora verbalizando o meu pedido de uma forma muito equivocada e o que ouvi dela foi que eu não sabia me comunicar por isso não estava apto para assumir o posto. Desde então, comecei a fazer cursos de oratória, teatro, terapia e mudei completamente minha carreira. Há sete anos, criei a Tagarela School, escola que ajuda as pessoas com as mesmas dificuldades que eu tinha”, conta Paulo, que soube transformar uma dor em oportunidade de negócio. 

Autoconhecimento
Pesquisa realizada pela National Comorbity Survey Replication (NCS-R) mostra que a prevalência da fobia de falar em pública acomete 9,1% dos adultos norte-americanos de 18 anos ou mais. Isso seria o equivalente a cerca de 15 milhões de pessoas apenas em território norte-americano.

Para o jornalista e professor Léo Cardoso, que há 12 anos trabalha com cursos de locução, oratória e treinamentos para apresentação em público, um pilar onde deve estar assentada a prática do bem falar é o autocontrole. “Não se trata de perder o medo. Ninguém vai perder o medo de falar em público, nem é desejável que percamos esse medo. Precisamos é fazer a gestão, o controle emocional para conviver com ele”, explica o professor

Cardoso ainda avalia que o autoconhecimento vai garantir que o orador tenha condições de superar a resistência à exposição física e visual e a exposição vocal. “Muita gente tem medo do julgamento e na hora de se apresentar em público, fica imaginando o que vão falar do seu corpo, das suas roupas, do seu cabelo. Tem gente que não gosta da própria voz, mal sabendo que é possível fazer o que quiser com ela. Assim, sempre digo que uma boa oratória não se constrói apenas com a técnica e a racionalidade. Para persuadir seu auditório, o locutor vai precisar de ter o controle se suas emoções”, garante o especialista.

Para a fonoaudióloga Priscila Moreira, vários fatores podem levar a uma comunicação vocal ineficiente ou inadequada. Entre eles, questões musculares e alterações respiratórias, que geram uma fraqueza na hora de pronunciar o som. Ela ressalta que a maior parte da comunicação humana não é verbal e sim visual. “93% da nossa comunicação é não- verbal, apenas 37% desta comunicação é feita verbalmente”, diz.

Mesmo assim, a fonoaudióloga afirma que a área pode ajudar muito quem tem alguma dificuldade na hora de falar em público. “Com a fonoaudiologia aprende-se sobre as questões anatômicas, expressão facial, gestos, postura, mas ressalto que é necessário organização do pensamento. Não adianta entender o processo e não saber o que vai falar, o que vai passar para o outro. É preciso ter consciência fonológica, o que está na base da boa alfabetização”, esclarece. 

Bloqueios emocionais precisam ser identificados

A fonoaudióloga Priscila Moreira afirma que a voz faz parte da identidade do indivíduo e que quando não pode ser manifestada de maneira eficaz, geralmente há outro problema na raiz da fobia. “Nestes casos, o tratamento é multidisciplinar com psicólogo, psiquiatra e fonoaudiólogo. A terapia e a fonoaudiologia vão trazer o autoconhecimento para que a pessoa passe a se preocupar mais com a qualidade do sono e alimentação, que também têm impacto na qualidade vocal”, afirma.

Ainda sob o aspecto emocional, o professor Léo Cardoso reforça que os problemas de base aos quais se refere Priscila Moreira são amplamente identificados em sala de aula e, muitas vezes, tem como origem a infância. “Tive uma aluna que contou que seu receio de falar em público se devia a uma reprimenda do pai, que foi chamado à escola pela professora para informar que ela conversava demais com a coleguinha de classe. Além de não conversar mais, ela levou consigo um bloqueio em que esta situação vinha à cabeça toda vez que precisa falar em público”, conta.

Léo ainda conclui que dois sentimentos são essenciais para quem deseja se comunicar bem: empatia e compaixão. “Podemos traduzir a empatia neste caso quando, ao falar em público, mantemos em mente a forma como gostaríamos que a outra pessoa recebesse a mensagem. Se eu estivesse no lugar dela, eu estaria satisfeito?”, observa o especialista.

“A compaixão se relaciona ao sentimento de que não posso falar qualquer coisa, de qualquer maneira. Preciso respeitar meu interlocutor. Tendo em mente estes dois aspectos, a chance de se comunicar bem em público é enorme”.

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