'A indústria não é prioridade do governo', diz Sérgio Leite, da Usiminas

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br
28/10/2017 às 20:16.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:27
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Funcionário de carreira da Usiminas com mais de 40 anos de casa, Sérgio Leite está à frente dos negócios de uma das maiores siderúrgicas do mundo. O posto é cobiçado. Desde 2014, os grupos controladores da companhia, Nippon Steel e Ternium Techint, travam uma verdadeira batalha pelo comando da empresa. Embora as desavenças tenham se estendido à Justiça e ganhado as páginas dos jornais pelas declarações polêmicas de ambas as partes, Leite afirma que, internamente, o clima é de harmonia. Ele também critica a falta de investimentos do governo federal na indústria e afirma que todos perdem com a falta de incentivos por parte da União. O executivo é o entrevistado do Página 2 desta semana.

Qual foi o impacto da modificação da política de conteúdo nacional, feita pelo governo Temer, nos negócios da Usiminas Mecânica? 
A situação atravessada pela Usimec é consequência da economia brasileira de uma forma geral. Nesses três anos de recessão, diversos setores praticamente pararam. A Usimec está operando com 15% da capacidade instalada, mas está equilibrada, embora produzindo em ritmo menor.
A modificação da política de conteúdo nacional vai impactar negócios futuros da empresa e de toda a indústria brasileira. A indústria não é prioridade para o governo brasileiro. Prova disso é que a indústria da transformação perde espaço no PIB ano a ano. Há 15 anos, ela representava 25% do PIB. Hoje, representa menos de 10%. O Brasil está vendo a indústria perdendo espaço e isso vai impactar a todos.

O Sr. já se encontrou com o presidente Michel Temer? Já conversaram sobre esse impacto? 
Sim. Recentemente, uma comitiva do Instituto Aço Brasil, do qual sou vice-presidente, se encontrou com ele. Fomos muito bem recebidos por Temer, Eliseu Padilha (ministro da Casa Civil) e Moreira Franco (ministro-chefe da secretaria-geral da Presidência). Colocamos todas as dificuldades e os pleitos na mesa, discutimos todos os temas. Foi uma reunião muito importante, em que discutimos amplamente o Reintegra, conteúdo local e outros temas de interesse da indústria. 
Temer não fez nenhuma promessa, mas se comprometeu a analisar os problemas atravessados pela indústria brasileira, que é um pleito não só do Aço Brasil, mas de toda a indústria. Estamos nos mobilizando para que a indústria tenha a importância que já teve nas décadas passadas no Brasil. Ele foi muito sensível a respeito das nossas colocações, mas até o momento não há nenhuma decisão concreta do governo federal a respeito dos problemas da indústria. 

O que falta à indústria nacional?
O Brasil precisa com urgência de uma política industrial forte, construída pelo governo e por nós da indústria. Nessa política, é necessário ter direcionamento. Temos que definir em que setores queremos ser fortes. Segundo, pleito Reintegra, que é uma restituições de resíduos tributários acumulados no processo da exportação. No caso do aço, nós exportamos impostos. Esse nível de importação de impostos chega ao patamar de 7% do preço do produto. Nosso pleito era o Reintegra de 5%. Atualmente está em 2%. Outro ponto que pleiteamos é o conteúdo local. 

Com relação ao resultado da Usiminas, divulgado na sexta, houve aumento do Ebitda no confronto com 2017. Mas na comparação com o primeiro trimestre, a geração de caixa diminuiu. Por quê?
Os resultados da Usiminas no terceiro trimestre estão alinhados com os resultados do segundo. A grande diferença é que no segundo trimestre o resultado foi melhor devido a um acordo que nós fizemos com o Porto Sudeste, que envolveu a Usiminas e representou impacto positivo no Ebtida de R$ 201 milhões. Considerando essa informação, é possível dizer que os resultados estão alinhados com o segundo trimestre.
Um ponto importante do resultado do terceiro trimestre é que se nós considerarmos o Ebtida acumulado nos últimos 12 meses, fechando em 15 de setembro de 2017, atingimos o valor de R$ 1,98 bilhão. Valor este que é superior ao Ebtida dos anos de 2013 e 2014. E isso tem um significado para nós bastante importante, porque representa que a Usiminas atingiu um patamar equivalente ao que ela tinha antes de nós entrarmos na crise.

Como a Usiminas atravessou os últimos anos?
Nos últimos três anos, atravessamos quatro períodos. O primeiro foi em 2015, quando nós observamos, já a partir do quarto trimestre de 2014, uma deterioração contínua dos resultados. No início de 2016, a empresa corria risco de entrar em recuperação judicial, ou até mesmo falir. 
O segundo período foi marcado pelo esforço da Usiminas, que se concentrou na sobrevivência da empresa. Duas grandes ações foram realizadas para garantir essa sobrevivência. A primeira foi o aporte de capital feito pelos sócios. Os principais acionistas aportaram R$ 1 bilhão na Usiminas, dinheiro este que foi adicionado ao nosso caixa para assegurar as operações da empresa. Concluímos esse aumento de capital em julho de 2016. E em setembro de 2016 concluímos a segunda ação, que foi a renegociação da nossa dívida por 10 anos, com 3 anos de carência. Com este acordo, nós nos comprometemos a amortizar a dívida a partir de setembro de 2019. 

E o terceiro período?
Em maio de 2016 nós iniciamos o terceiro período, em que o nosso foco era a geração de Ebtida para construção de resultados. Iniciamos um trabalho muito forte, mobilizando toda a empresa, para a geração de Ebtida. Esse período foi concluído no segundo trimestre deste ano quando atingimos um patamar de Ebtida que nos deu um grau de sustentabilidade, elevando esse patamar para um Ebtida acumulado em R$ 1,6 bilhão.
O terceiro trimestre veio já dentro da quarta fase, que é a período de reposicionamento da Usiminas. Com ela, nós vamos mostrar que estamos trilhando o caminho correto. Além disso, conseguimos um Ebtida, incluindo o período de 12 meses, acima do registrado em 2013 e 2014.

Qual o próximo passo do pagamento de dívida?
Nosso próximo compromisso de amortização é em 2019. Porém, vamos realizar em dezembro e janeiro uma amortização antecipada do débito. Em dezembro vamos amortizar US$ 90 bilhões e em janeiro US$ 180 milhões. Nesses dois meses, vamos amortizar R$ 900 milhões. Essa amortização será feita mais de um ano e meio antes do prazo combinado anteriormente, o que é um ponto extremamente positivo. A amortização que será feita é fruto de negociações que concluímos em agosto. 

Como está a relação entre os japoneses da Nippon e os ítalo-argentinos da Ternium Techint?
A minha relação com os japoneses existe há décadas, assim como é de décadas a minha relação com o grupo Techint. Dentro da companhia, nós formamos três forças importantes para a construção do nosso presente e do nosso futuro. Temos os brasileiros com a força do trabalho e da dedicação, os japoneses da Nippon, com a tecnologia, e os ítalo-argentinos da Techint, com a gestão. Essas três forças trabalham de forma integrada e harmônica.

Mas até pouco tempo essa relação não era harmônica...
Desde que assumi, em março, posso garantir que há harmonia dentro da empresa. Fora da empresa existe um conflito que é público e que envolve os acionistas. Não tem envolvimento com a empresa. 

E como estão as relações da Usiminas com os representantes do executivo e líderes políticos e comunitários do Vale do Aço? Durante algum tempo, as desavenças entre os sócios os preocuparam.
As relações da Usiminas com as instituições, e, em particular, com as prefeituras do Vale do Aço e da Baixada Santista são extremamente sólidas e importantes. Vou me encontrar com os prefeitos mineiros para um café na terça, por exemplo. Nosso sonho é reposicionar a Usiminas como referência no Brasil e no mundo, e também como referência para a sociedade.

Como o Sr. avalia o mercado externo?
A exportação representou, no terceiro trimestre, 13% do volume de vendas da empresa. O principal destino do nosso aço é a Argentina e nós fazemos também uma significativa venda para a Europa. Mais de 45% da exportação vai para a Europa.
A China é o grande maestro do mundo do aço. Ela representa 50% da capacidade instalada, 50% da produção e 50% do consumo. Além disso, ela participa do comércio internacional de aço com intensidade e detém mais 20% do comércio externo. 
O consumo aparente que vinha caindo desde o segundo trimestre de 2014 parou de cair. Atravessamos alguns trimestres de estabilidade. E percebemos que o mercado de aço começa a apresentar crescimento, ainda que pequeno. A expectativa é a de que o mercado brasileiro de aços planos venha a apresentar crescimento maior do que o registrado neste ano. 

Qual a previsão para este ano?
Algo em torno de 5%. E isso é ótimo. O boletim Focus projeta PIB de 0,7% para este ano e de 2,4% para 2017.

 

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