Baixa demanda e restrições dos bancos apontam para continuidade da recessão

José Antônio Bicalho (*)
jleite@hojeemdia.com.br
29/08/2016 às 07:25.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:35
 (Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

(Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

Se o crédito é o motor da economia, ainda estamos longe de sair da crise. De acordo com dados do Banco Central, divulgados na última semana, o volume de crédito concedido pelos bancos em julho sofreu uma enorme retração. Em apenas um mês, a queda foi de 11,1%, para R$ 264,9 bilhões.

O mais preocupante é que a maior retração se deu no crédito concedido às empresas. Os empréstimos para as pessoas jurídicas caíram 17,9% na passagem de junho para julho, para R$ 110,8 bilhões. O crédito para empresas é muito utilizado para financiamento de capital de giro, mas também dos investimentos voltados para aumento da produção. Quando desaceleram, espelham o pessimismo do empresariado e impactam negativamente toda a economia.

Já o crédito para as pessoas físicas também retraiu fortemente em julho. A queda foi de 5,6% na comparação com junho, para R$ 154,1 bilhões. Os consumidores tomam empréstimos para pagar dívidas ou quando entram no cheque especial, mas o grosso do crédito para as pessoas físicas é utilizado nas compras de bens duráveis e semiduráveis, como imóveis, carros, eletrodomésticos e móveis. Quando estes empréstimos diminuem, as atividades do comércio e da indústria também retraem.

Fenômeno

A queda nas concessões de crédito na passagem de junho para julho é a maior desde o início da crise, no final de 2014. Mas, o fenômeno vem se dando mês a mês a quase dois anos. Numa comparação mais ampliada, que corrige distorções de eventos não recorrentes de curto prazo, a tendência de queda na concessão de crédito se mantém. Em 12 meses, ou seja, na comparação de julho deste ano com julho de 2015, o volume total de crédito concedido no país caiu 7,7%, sendo 10,8% para pessoas jurídicas e 5,0% para pessoas físicas.

Atualmente, o estoque total de crédito no país é de R$ 3,115 trilhões, o que representa 26,2% do PIB. O número mostra o grande espaço que o sistema financeiro ainda tem a ocupar. Países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Japão, registram estoques de crédito acima dos 100% do PIB e tem nos empréstimos bancários o motor de suas economias. 

Mesmo que relativamente pequeno, o crédito no Brasil continua em desaceleração por conta da desconfiança de empresários e consumidores em relação ao futuro da economia, pelo aumento das restrições impostas pelos bancos e pelos juros. De dezembro de 2014 a julho de 2015, os juros médios cobrados nos empréstimos às pessoas físicas subiu mais de dez pontos percentuais, passando de 30,7% ao ano para 40,2%. Para as pessoas jurídicas, subiu de 16,5% para 22,1%.

Inadimplência

Os números do BC também mostram aumento do crédito renegociado pelas pessoas físicas com os bancos. Pelos dados divulgados pela instituição, o crédito renegociado no acumulado de 12 meses até julho subiu 16,3%. Trata-se do resultado do esforço dos bancos privados para evitar a inadimplência gerada pelo desemprego. 

Queda nos empréstimos cria círculo vicioso, afirma especialista

De acordo com o diretor executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, a restrição do crédito, motivada pela recessão, realimenta o processo recessivo, criando um círculo vicioso.

“A queda do crédito gera mais desemprego e, por consequência, mais inadimplência. As pessoas consomem menos, o que piora o quadro de recessão”, explica.

Para o coordenador do curso de administração do Ibmec, Eduardo Coutinho, o que determina de fato o volume de crédito tomado é a demanda, e não a oferta. Portanto, ter mais dinheiro disponível não garante mais crédito e consumo porque as pessoas não estão seguras para tomá-lo emprestado em um ambiente tão deteriorado. 

“Tomar crédito é antecipar o futuro. As pessoas só fazem isso, ou seja, só assumem esse compromisso se tiverem um mínimo de tranquilidade quanto ao emprego e à possibilidade quitação da dívida. Não há razão para se pensar em choque de oferta (como solução)”, destaca Coutinho.



Na divulgação dos números do mercado de crédito, na semana passada, o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, enfatizou que o desempenho do crédito está em um contexto de atividade mais baixa e de juro mais alto e lembrou que, em 12 meses, o estoque de crédito apresenta alta de apenas 0,2%. 

No caso do crédito direcionado (ou seja, aquele que é obrigatoriamente destinado ao financiamento habitacional, ao crédito rural ou às linhas para empresas operadas pelo BNDES), o economista explicou que os movimentos são semelhantes aos já observados no passado, com redução do ritmo de expansão do crédito imobiliário e um menor volume para empresas, em especial para investimentos. “Isso ocorre em um ambiente de continuidade de crescimento das taxas de juros, com aumento de spread”, disse. 



De acordo com os dados divulgados pela instituição, o recuo do crédito para veículos em 12 meses até julho foi de 13,6%. “Não digo que houve reação do crédito para compra de veículos, mas a retração parece ter encontrado um patamar. Pode ser que à frente haja alguma alteração no segmento de crédito para veículos, que é bastante importante”, disse Maciel.
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(*) Com agências

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