Com a recessão, repasse aos estados e prefeituras cresce abaixo da inflação

Filipe Motta
fmotta@hojeemdia.com.br
26/06/2016 às 07:45.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:03

O nome soa burocrático, mas tem tudo a ver com os serviços (e problemas) de saúde, educação e segurança do seu bairro e com a crise econômica que afeta o seu dia a dia: pacto federativo. A falta de recursos e capacidade de investimento de estados e municípios, devido ao excesso de centralização tributária do governo federal, é apontado como um dos motivos que empacam a recuperação econômica do país.

Na semana passada, a ponta desse iceberg apareceu com o anúncio de renegociação das dívidas dos estados com o governo federal, ao custo de cerca de R$20 bilhões, que resultou na suspensão dos pagamentos até o final do ano e no pagamento escalonado entre 2017 e julho de 2018.

, apesar do crescimento dos repasses acima da inflação, entre 2006 e 2014 , a partir de 2014 houve estabilização, com crescimento bem abaixo da inflação em 2015. Enquanto o custo de vida subiu 10,67% no ano passado, o repasse aos estados avançou apenas 0,22%, ou seja, perda real.

“Os estados foram os que mais perderam poder de arrecadação de impostos, a partir de 1988”, aponta a cientista política Celina Souza, PhD pela London School of Economics. “E os gastos com serviços básicos cresceram mais do que o esperado, com o aumento dos índices de violência e ampliação da educação básica, por exemplo. E são áreas que dependem de grande investimento em pessoal”.Ainda assim, os prefeitos também enviaram um lista de reivindicações e querem tratamento da Presidência para a resolução de problemas como a dívida previdenciária municipal, hoje em torno de R$ 100 bilhões, além do repasse de R$ 43 bilhões de restos a pagar às prefeituras.

“Minha Casa, Minha Vida, Saúde da Família... Todos os programas são concebidos em Brasília. Mas a prefeitura executa. Quando o governo federal se desorganiza, todo esse sistema se desarranja”, diz o prefeito de Barbacena e presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), Antônio Andrada. “Na medida em que não há essa visão de descentralização o país vai entrando no colapso que está”, complementa.



Pela Constituição de 1988, municípios e estados têm autonomia na execução de políticas e na arrecadação. Mas emendas constitucionais, nos anos 1990, acabaram reduzindo esse poder. O resultado é que 67% da arrecadação tributária do país, hoje, é feita pela União, que faz repasses a estados e municípios para executarem grande parte dos serviços básicos de saúde, educação e segurança. 

A relação de dependência de estados e municípios em relação ao governo federal é acentuada pela dívida pública.

Essa dívida com o governo federal surgiu a partir de um processo de centralização das dívidas de estados e grandes municípios na União, no final dos anos 1990, seguindo orientações macroeconômicas feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). 

“O indexador da dívida, em 1997 e 1998 \[IGPD-I\], não era tão desfavorável aos estados e grandes municípios. Mas com o boom das commodities ficou quase impagável para alguns”, avalia a cientista política Celina Souza. Para o ex-governador Antonio Anastasia, a negociação da dívida foi positiva, nos anos 1990, já que permitiu o saneamento dos bancos estaduais. “Todavia, a não revisão do indexador, depois das mudanças das condições econômicas no início dos anos 2000, levou ao quadro de insolvência que vemos agora”, avalia.

Prefeitos e governadores defendem que uma reforma do pacto federativo seja feita de forma a aumentar o poder de arrecadação e reduzir a dependência do governo federal. 

Os municípios atualmente cobram IPTU, ISS e algumas taxas – a mais rentável, hoje, é a taxa de lixo (coleta de resíduos), dizem os especialistas. Já os estados dependem, predominantemente, do ICMS. 

O presidente da AMM, Antônio Andrada, defende um Assembleia Constituinte para discutir o assunto em conjunto com a reforma política.

Para o senador Antonio Anastasia, um país mais descentralizado, facilitaria, por exemplo, os investimentos em infraestrutura, um dos gargalos de crescimento e, ao mesmo tempo, uma área propícia a novos empregos. 

“Se nós tivéssemos mais descentralização, as obras seriam mais baratas, pois seriam realizadas por quem está mais perto da execução. Recursos financeiros descentralizados em estados e municípios representariam uma retomada do desenvolvimento”, diz.

Mas nem políticos nem especialistas veem solução para o problema no curto prazo. “Tudo se resume à repartição de recursos. E da forma como estão a União e os estados, atualmente ninguém tem condições de abrir mão de recursos para repassar para outros”, diz o economista e gestor do Observatório de Informações Municipais François Bremaeker.

Anastasia e a cientista política Celina Souza vão na mesma linha. Eles veem a renegociação da dívida dos estados com a União, na última semana, como uma saída temporária, mas, ao mesmo tempo, uma das soluções possíveis no momento. 

“Dá um pouco de alívio. É preciso que se equacione a questão do crescimento econômico, para depois se ter um avanço de questões estruturais que estão batendo à porta. A agenda de políticas públicas dos governos dos estados é muito pesada e poderá ser considerada adiante”, diz Celina. “Isso é muito importante de entrar na agenda: não negar que os estados têm políticas muito caras em mão de obra.”

Cautela

O especialistas ponderam que é preciso ter cuidado ao se pensar a revisão do modelo federativo, devido ao grande grau de desigualdade entre estados e municípios. 

Alguma centralização acaba auxiliando estados e municípios mais pobres, com menor capacidade de arrecadação local, já que faz com que a União redistribua o bolo do país de um modo que os auxilie.

Além disso, ainda que problemática, a ampliação de serviços de saúde, como a implementação do SUS, e a universalização da educação básica, a partir de 1988, só foi possível com a coordenação do governo federal – já que muitos estados e municípios não tinham capacidade financeira e de gestão, apontam os especialistas. 

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