Corrupção alimenta a pobreza e devora o progresso

Tatiana Lagôa e Tatiana Moraes
primeiroplano@hojeemdia.com.br
05/07/2016 às 15:43.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:10
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

Mesmo com dores intensas por causa de uma osteoporose, a costureira Jurandira de Sousa Melo, de 75 anos, trabalha de seis da manhã até a noite. O esforço para sobreviver, entretanto, não é suficiente para melhorar as próprias condições de vida. Jurandira mora ao lado de um córrego com esgoto a céu aberto e gasta boa parte do rendimento mensal com remédios. É mais uma vítima dos desvios de recursos públicos, responsáveis por elevar em pelo menos 5% a proporção de pobres nas cidades brasileiras, como mostra a terceira matéria da série sobre corrupção do Hoje em Dia.

É o que atesta a pesquisa de doutorado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) “Os impactos da corrupção no desenvolvimento humano, desigualdade de renda e pobreza dos municípios brasileiros”. Segundo o estudo, cada 50 irregularidades praticadas pelas prefeituras geram uma queda de 4,5% no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M). Ao mesmo tempo, aumentam em 6,5% a concentração de renda no país. Ou seja, a população mais carente é a maior vítima da corrupção. 

Os atos ilícitos seriam capazes ainda de reduzir a renda dos menos favorecidos em até 7%. Essa é exatamente a sensação de dona Jandira, que ganha cerca de R$ 1 mil por mês e tem a impressão que sobra mês para o salário. É com esse dinheiro que ela paga, por exemplo, os R$ 200 em medicamentos. “O dinheiro da gente não dá para nada. Antes, eu ganhava remédios no posto, mas agora nem aspirina de graça tem mais. Enquanto isso, lá em cima esses políticos ficam roubando nosso dinheiro”, reclama.
 

Com gancho em nossas matérias sobre corrupção, perguntamos: você já teve “gatos” de luz, água ou internet em casa?— Jornal Hoje em Dia (@jornalhojeemdia) 6 de julho de 2016


​O estudo leva em conta os dados de acompanhamento dos municípios levantados pela Controladoria Geral da União (CGU). Entram nesse levantamento irregularidades como o direcionamento de licitações, superfaturamento e desvio direto de recursos, dentre outros atos ilícitos. “A ideia principal é que, quando tem corrupção, a verba que seria destinada para melhorar a vida da população é desviada. Então, os mais carentes, que dependem de serviços públicos, sofrem diretamente essa ausência”, afirma um dos autores da pesquisa, Flavius Sodré.

Ele lembra que a corrupção tem um efeito multiplicador, impedindo o desenvolvimento econômico e social do país. Se o recurso de uma escola é alocado para outra função, centenas de crianças sofrem com queda na qualidade do ensino. E, com isso, são reduzidas as chances de competirem em pé de igualdade no mercado de trabalho futuramente. Ou seja, trava um possível processo de ascensão social. 

“Não é atoa que, mesmo sendo uma das maiores economias mundiais, o Brasil é um dos países com maior nível de desigualdade de renda e elevados níveis de pobreza”, afirma. Outro fator que pode aumentar a pobreza no país é a atuação do parlamento. Segundo pesquisa do Transparência Brasil, estados mais pobres possuem gastos parlamentares em média 20% mais elevados do que os mais ricos. Dentre esses gastos foram incluídos salários, verbas e auxílios diversos a deputados e vereadores. Já entre as capitais, as mais pobres gastam cerca de 16% a mais. 

Como há limitações legais para salários de deputados e vereadores, em alguns estados e municípios são usadas outras fontes, como as verbas indenizatórias, para elevarem os rendimentos. Segundo o levantamento, o peso do parlamento para o PIB dos estados tende a ser maior quanto mais pobre a região. Em Minas Gerais, o orçamento para arcar com os custos da Assembleia Legislativa é de apenas 0,32% do PIB. Já em Roraima é 2,26%.

“O maior problema da corrupção é que alguns municípios têm a economia dependente de repasses do governo federal e estadual e possuem vereadores com remuneração maior, por legislarem em causa própria. E isso afeta a vida de muitos brasileiros”, afirma a coordenadora de pesquisas da Transparência Brasil, Juliana Sakai.

Irregularidades em obras travam saneamento no país

A dona de casa Eni Tavares Rocha convive há 26 anos com um esgoto a céu aberto do lado de casa e com todo tipo de transtornos que essa situação pode trazer, como insetos e até mesmo doenças. Ela é mais uma, dentre milhares de brasileiros, que sofrem com a falta de saneamento básico enquanto obras, bancadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), visando a universalização do tratamento de água e esgoto, estão paradas. “É uma situação terrível. Meu neto estava com dengue por causa do tanto de mosquito que tem aqui. E ninguém resolve nada”, afirma. 

Essa sensação de descaso é fruto, em parte, da morosidade dos investimentos realizados na área. Segundo levantamento do Instituto Trata Brasil, um grande volume de obras de saneamento básico com recursos do PAC está travado. Foram avaliadas 181 obras de esgoto. Dessas, 54% estavam atrasadas em relação ao cronograma, sendo que 21% estão paralisadas, 17% atrasadas e 16% não iniciadas. Outras 156 obras de serviço de abastecimento foram avaliadas: metade estava em situação irregular, sendo 19% paralisadas, 17% atrasadas e 14% nem sequer foram iniciadas. 

Quando há uma explicação, as justificativas para os atrasos são as mais variadas e vão de vícios em projetos à burocracia na liberação dos alvarás. E a burocracia anda de mãos dadas com a corrupção, conforme lembra o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), José Ricardo Roriz Coelho. A demora nos processos estimularia empresários a pagarem propina em busca de facilidades.


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Investimento insuficiente tem impactos na saúde e na economia

O governo federal, por meio do Plano Nacional de Saneamento Básico, aponta uma necessidade de investimentos anuais da ordem de R$ 15,2 bilhões, em 20 anos, para que o Brasil tenha os serviços de água tratada, coleta e tratamento de esgotos universalizados. Mas, nem nas fases de crescimento econômico, os repasses voltados para a área chegaram a esse valor. Em 2014, foram R$ 12,2 bilhões e, em 2015, R$ 8 bilhões. “Mesmo nos anos em que a economia estava indo bem, não conseguimos chegar no investimento necessário. Agora que estamos em uma crise, fica mais difícil alcançar a meta”, afirma o presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. 

O impacto é sentido em diversas áreas. No trabalho, por exemplo, levantamento do Instituto Trata Brasil mostrou que, em 2012, 300 mil trabalhadores se afastaram por causa de diarreias e perderam 900 mil dias de trabalho. Outras 2.135 pessoas morreram por causa de infecções gastrointestinais. Em nota, o Ministério das Cidades atribui as dificuldades da área de saneamento ao mau momento econômico vivido pelo país e às dificuldades nas obras como intervenções em terrenos desfavoráveis, úmidos e de difícil acesso. 

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