Crianças seguem à espera de seus pais na fronteira dos EUA

Agence France Presse
23/07/2018 às 17:12.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:33
 (Recprodução/CBS)

(Recprodução/CBS)

O pequeno José, de quatro anos, acha que sua mãe está mentindo porque ela nunca volta. Na verdade, sua mãe, uma hondurenha, está detida porque não tinha documentos quando cruzou a fronteira dos Estados Unidos pedindo asilo.

As crianças que foram separadas de seus pais ou tutores ao cruzar a fronteira a partir do México, em sua maioria centro-americanos, não sofrem só com o crime, a violência doméstica, a pobreza, a falta de educação e de serviços de saúde.

Além disso, ao chegar, se tornam vulneráveis por fatores como a falta de documentação, a desinformação e a escassa representação legal, que tornam impossível navegar por uma burocracia que às vezes chega ao absurdo.

É o caso de José, o filho adotivo de uma hondurenha de 51 anos que foi detida ao pedir asilo em McAllen, Texas, em 29 de dezembro. 

"Minha mãe está mentindo. Ela nunca vem", disse o menino ao telefone, com raiva.

José ficou quase um mês retido em um abrigo até ser entregue à sua irmã E., de 30 anos, no Texas.

"Minha mãe veio porque se tivesse ficado mais um mês em Honduras, estaria morta", contou E. "Havia um homem que batia muito nela. Se não fosse pelos vizinhos, ele a teria matado com um facão".

Um tribunal determinou em 29 de junho que as milhares de crianças separadas na fronteira sejam reunidas com suas famílias antes de 26 de julho. O prazo para entregar os 103 menores de cinco anos já venceu, mas o governo só conseguiu devolver 57. Os demais, avaliou, são "inelegíveis".

A mãe de José "conheceu uma garota que estava grávida e não queria o bebê", contou E. "A garota lhe deu a criança de presente no dia em que nasceu".

A advogada de migração que cuida do caso de José, Sara Ramey, reuniu fotografias, testemunhos e registros médicos que mostram os cuidados proporcionados pela mãe adotiva.

Um pedaço de papel 

"Muitas sociedades centro-americanas, entre elas a de Honduras, têm uma maneira informal, comunitária, de resolver as coisas, como a guarda das crianças", disse Ramey, diretora do Centro de Direitos Humanos dos Migrantes em San Antonio, Texas.

"Queremos que nosso governo verifique as relações, e queremos confirmar que essa relação é saudável e segura para a criança", explicou à AFP. "E neste caso, isso já foi feito. O único obstáculo é a ausência desse pedaço de papel".

Pedro tem três anos e também foi separado de sua mãe, que é biológica, mas que tinha uma deportação prévia quando pediu asilo em abril.

Agora V., de 25 anos, está detida no Texas. Pedro passou quase um mês em um abrigo, até que as autoridades o enviaram à casa de sua tia-avó.

Imigrantes como V. desconhecem as consequências de entrar nos Estados Unidos com uma ordem de deportação em seu histórico.

Em outros milhares de casos, menores de idade cruzam sozinhos a fronteira porque existe o rumor (falso) na América Central de que as crianças receberão residência automaticamente se viajarem sem adultos.

Os "coiotes" - traficantes de pessoas - alimentam tais rumores para convencê-los de fazer a viagem, pela qual cobram entre 5.000 e 15.000 dólares.

Ao chegar, não têm direito a um advogado gratuito. Isto faz com que menores de idade, incluindo crianças pequenas, se encontrem sozinhos diante de um juiz.

A vulnerabilidade das crianças se agrava se não falam espanhol (muito menos inglês), dado que muitos pertencem a comunidades indígenas.

"Sua chance de sobreviver, de ter uma vida digna, embora seja pobre, é quase nula" nos países de origem, disse à AFP Eric Olson, vice-diretor do programa latino-americano do centro de estudos Woodrow Wilson. 

E "a situação na fronteira nos Estados Unidos jamais será pior do que o que eles vivem em Tegucigalpa ou San Pedro", em Honduras, acrescentou.

(Os imigrantes entrevistados nesta matéria falaram em condição de anonimato e os nomes das crianças são fictícios).

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