Comércio de BH desacelera em ano de Copa

Bruno Porto - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
10/02/2014 às 08:09.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:55
 (Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

(Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

À frente da centenária Casas Falci, de Belo Horizonte, Bruno Falci, 56 anos, preside a Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) desde 2011. Na entrevista a seguir, o engenheiro agrimensor não fica em cima do muro sobre questões polêmicas, como a política que retira das ruas os ambulantes ou a revitalização da Savassi, e faz duras críticas aos governos municipal, estadual e federal. Falci também duvida que a Copa do Mundo trará grandes benefícios aos varejistas da Capital e discorda da mobilização dos consumidores nas redes sociais, que pregam o boicote a estabelecimentos que praticam preços considerados por eles abusivos. Para a CDL-BH, mesmo com a trajetória de elevação das taxas de juros, o comércio de Belo Horizonte vai crescer 3,5% em 2014, acima da projeção feita para o Produto Interno Bruto (PIB) do país, que é de 2%. A taxa de expansão dos negócios do comércio, no entanto, representa uma desaceleração ante o ano passado, quando houve elevação de 4,5%.

 
Quais são as perspectivas para o comércio em 2014?


É um ano atípico. Temos eleições nacionais e estaduais, e teremos Copa do Mundo, evento em que não temos expertise. A Copa das Confederações serviu de prévia e vimos um movimento inesperado de manifestações. Manifestação pacífica de reivindicações, essa é maravilhosa. O Brasil precisa disso. Mas teve o outro viés, que é o do quebra-quebra. Isso coloca um ponto de interrogação em 2014. Trabalhamos com perspectiva de um crescimento de 3,5%. É um crescimento saudável se olhado ao lado do PIB, que para 2014 eu acho que não chegará a 2%. Então, se as vendas crescem 3,5% no comércio, estamos bem acima do crescimento do país.

Então, esse crescimento significa que vamos explorar o potencial da Copa do Mundo para o comércio?


Esse é o ponto de interrogação. Temos que trabalhar para tratar o turista estrangeiro da melhor forma possível. A CDL-BH, em parceria com a UNA, disponibiliza curso de inglês para o comércio. A Copa do Mundo vai agregar muito na parte do comércio de serviços, como alimentação, hotelaria, turismo, transporte, esse é o grande crescimento. Em termos de venda do varejo, não será tão expressivo a ponto de desequilibrar positivamente o crescimento. Vai ter impacto de consumo, maior movimentação, mas por outro lado, o comércio vai fechar em vários dias. O que será que acontece quando você aumenta a movimentação de pessoas na cidade em milhares, mas no dia seguinte você fecha as portas? Será que no dia que ficar aberto vai vender o dobro pra compensar o dia que ficou fechado? Isso teremos que viver para entender. Eu não acredito que as vendas vão dobrar para compensar o dia fechado.

A experiência adquirida na Copa das Confederações, com impactos das manifestações no comércio, levou a CDL a elaborar algum plano especial para o evento, até para se proteger de depredações?


A forma mais segura é fechar a loja. Mas as lojas fechadas foram quebradas lá no corredor da avenida Antônio Carlos. A parte de segurança é obrigação do Estado. Existe um diálogo, temos informação de que o governo tem um aparato especial para impedir o quebra-quebra.

Qual informação o senhor tem desse aparato?
Teremos um volume maior de policiais de forma muito bem orquestrada. Não pode se repetir o que ocorreu na Copa das Confederações, ocasião onde aquilo que o governo quis proteger ele conseguiu, como o entorno do Mineirão. Mas abandonou, e infelizmente o termo que eu tenho que usar é esse, abandonou o resto da cidade. As manifestações na avenida Antônio Carlos foram anunciadas e não tinha policial. Os que estavam lá apenas estavam vendo, não agindo. Foram inoperantes.


O Copom vem sinalizando que a trajetória dos juros seguirá em alta. Qual o impacto disso nas vendas do comércio?
O governo se apoia nessa elevação para conter a inflação. A gente sabe que tem um certo efeito na diminuição do consumo, deixando a inflação mais controlada. Mas o governo se apoia excessivamente nesse mecanismo. Ele pode se apoiar em outros, como redução de seus gastos. Mas como a prática do governo é aumentar juros, isso terá, sim, impacto direto nas vendas.

As pesquisas apontam baixas taxas de desemprego. Isso, em grande parte, responde pelo bom momento do comércio varejista. Como o senhor projeta para 2014 o comportamento do emprego no Estado, tendo em vista que a indústria mostra sinais de fraqueza e o café, o produto mais importante do agronegócio mineiro, está em crise?

A economia brasileira está muito apoiada no emprego, renda e crédito. Achamos que o emprego vai continuar em patamar bom, e mesmo que tenha alguma piora, não vai comprometer esse modelo.
 

Muitos analistas criticam esse modelo econômico amparado apenas no consumo, com ações como a desoneração do IPI em alguns produtos. Na sua avaliação, esse modelo de crescimento ainda é sustentável?


O consumo é uma fonte, mas não pode ser a única. Consumo é indústria também, é agronegócio. É essa movimentação que faz crescer. Não vejo uma forma de excluir isso do modelo, embora não se deva criar uma dependência excessiva. Sobre as políticas de desoneração, vamos considerar que o imposto no Brasil é extremamente alto, considerando o desequilíbrio entre o que pagamos e o que recebemos de volta. Temos bi e tri tributação. A União dá esmola no IPI da linha automotiva, por exemplo. As coisas não devem ser pontuais dessa forma. Se tem condições de reduzir, como mostrou o governo, por que não reduzir definitivamente? Essas ações pontuais deixam as vendas de automóveis parecidas com um eletrocardiograma e impedem planejamento do industrial e do consumidor. O excesso de tributos é um monstro criado pelo Brasil. Ele se acostumou a se alimentar de impostos e ele come muito.

Como reduzir esse apetite?
Estive no complexo penitenciário em Ribeirão das Neves, construído via Parceria Público-Privada (PPP). É extraordinário, alivia o governo de gastos. O governo não precisa construir cadeia, rodovia, tem que terceirizar. Obviamente de forma que a população tenha condições de usar. Assim como tivemos um tiro certeiro com a Lei de Responsabilidade Fiscal, temos que ter outras revoluções nesse sentido.

A PBH, nos últimos anos, realizou a revitalização de várias regiões da cidade, como o Centro e a Savassi. O comércio percebeu resultados positivos nessas mudanças?
A maioria das obras causam transtornos muito além do necessário. São extremamente lentas, caras, faz e desfaz, etc. A Savassi é um case de insucesso. Aquela obra foi uma vergonha. Acompanhadas dessa revitalização, têm de vir outras coisas. Hoje o que mais se precisa é de segurança. Não adianta deixar a Savassi bonita, fechar quarteirões para pedestres, se a falta de segurança é muito grande.

O senhor pode detalhar por que a Savassi é um caso de insucesso?
O insucesso é da obra. Deveria ter sido feita por regiões, por partes. Mas quebraram a Savassi inteira de uma vez. Esse prejuízo não se recupera mais, foi um ano e meio de transtornos. Nas avenidas Santos Dumont e Paraná, as obras já deveriam estar prontas há muito tempo. Demorou duas vezes mais. Como o comércio pode conviver com isso? Por que não combinam com a empresa do encanamento, da rede elétrica, com a do asfalto, de todas executarem suas intervenções ao mesmo tempo? O que ocorre é que se faz o asfaltamento, depois quebra para fazer o encanamento. Aí depois vem e faz um remendo no asfalto. Tem que responsabilizar as construtoras envolvidas.

Na Savassi, criou-se uma polêmica pela iminência de se inaugurar um shopping popular no antigo Cine Pathé. Como a CDL-BH se posiciona nesse assunto?
A CDL-BH defende o comerciante legalizado. Sendo legalizado, com produtos legalizados, se é comércio cinco estrelas ou uma estrela, não fazemos distinção. Tem público para todos os mercados. Mas o produto tem origem honesta? Paga-se imposto? Muitas vezes, atrás desse tipo de comércio têm muitas coisas que não são legais.

Planejou-se fazer, na rua Antônio de Albuquerque,uma zona nobre de comércio, que se comparava com a Oscar Freire, em São Paulo. Isso foi abandonado ou ainda pode sair do papel?
Pode sair, mas é um movimento lento, embora seja uma tendência a criação de um corredor ali e também na ligação até a Praça da Liberdade, pela Praça da Savassi. A CDL-BH estimula esse tipo de ação que é de bem estar para a população. Mas esse projeto não anda na velocidade que a gente quer.

Por que não? Não há demanda?
É com o tempo, não tem jeito. Vai da disposição do empresário para o investimento, da redução da criminalidade, da iluminação pública adequada para essas áreas, da disponibilidade de imóveis. É um movimento interessante, positivo, mas por esses fatores é lento.


Em 2003, a Prefeitura de Belo Horizonte retirou os camelôs das ruas e levou para os shoppings populares. Mas hoje é comum esses trabalhadores nas ruas da cidade. Qual impacto nas vendas do comércio formal?


A CDL-BH foi quem tomou a iniciativa de feitura do Código de Posturas, que viabilizou tirar das calçadas os camelôs e toreros. O plano dos shoppings foi uma forma de dar condições a eles de continuar ganhando dinheiro e para viabilizar a formalização. Mas temos notícias de produtos sem origem definida, que pode ser de roubo, contrabando, e por aí vai. Eles agora estão voltando para a rua, como os artesãos conseguiram liminar que permite que fiquem nas ruas. Muitos deles são travestidos de artesãos e comercializam produtos de origem duvidosa e praticando delitos, como o comércio de drogas. Isso tem que ser encarado. O grande passo de tirar os camelôs das ruas foi dado. Voltar com eles é uma loucura.


Nas redes sociais, ganhou força a união de consumidores contra estabelecimentos que estariam cobrando preços abusivos. O mais famoso movimento é o Surreal, que nasceu no Rio de Janeiro e já está em Belo Horizonte. Eles pregam boicote a estabelecimentos que cobram preço abusivo. Como a CDL-BH enxerga essa mobilização dos consumidores?

Precisamos entender melhor esse movimento. O comércio é lei da procura e da oferta. Ninguém é obrigado a comprar se achar caro. Se você quer comprar um sapato e acha caro, você não precisa comprar, certamente há outras lojas que o vendem. Tem um leque de opções. Para o comerciante, a pior propaganda é a negativa feita pelos consumidores. Ela é mais forte do que a Rede Globo. Realmente, tem coisas que chocam, como o preço de um pão de queijo no aeroporto. Lá não tem opção, então aí o movimento pode se encaixar, embora muitas vezes o aluguel da Infraero em um ponto no aeroporto seja mais caro do que em um shopping center. O que eu vendo no meu comércio tem mais de 50 lojas que vendem. Se eu colocar o preço muito alto, o cliente compra de outro.

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