Fernando Dolabela: "Educação deve formar a cultura empreendedora"

Iêva Tatiana - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
27/01/2014 às 07:57.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:36
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Ele se tornou referência em empreendedorismo depois de criar um dos maiores programas sobre o assunto para a educação básica e para a universidade, no Brasil. Em entrevista ao Hoje em Dia, o consultor e professor da Fundação Dom Cabral (FDC) Fernando Dolabela aponta as principais deficiências do sistema nacional de ensino, que, segundo ele, ainda é conservador e avesso às questões empreendedoras. Com uma abordagem que destoa da usual – que, a princípio, soa romântica e utópica –, Dolabela defende a busca pessoal por atividades que proporcionem prazer e satisfação, diferentemente do regime tradicional de trabalho instituído pela tecnocracia e pelo industrialismo. 

Por outro lado, ele é firme ao criticar a postura intervencionista do Estado nos processos empreendedores. Para ele, a tríade paixão, sonho e talento é a base fundamental para a construção de um empreendimento bem sucedido.

Qual é a sua definição de empreendedorismo?

O empreendedor é alguém que transforma, inovando e oferecendo coisas boas para a coletividade. Esse conceito é rico, porque você pode transformar gerando valor negativo e pode transformar em proveito próprio. Essa é uma ótica de definição. A ótica de que eu mais gosto é a que define o empreendedor como alguém que sonha e busca transformar o seu sonho em realidade. O que significa isso? Alguém que concebe o futuro e gera caminhos, formas, metodologias para criá-lo. Na verdade, no empreendedorismo, o que importa é o processo e não a chegada.

É possível ensinar e aprender a ser empreendedor?

Ensinar pressupõe você ter um conteúdo que possa ser transferido. Há uma diferença fundamental entre ensino e aprendizagem. Não é possível ensinar alguém a ser empreendedor, mas é possível aprender. O empreendedor não aprende em estruturas pré-definidas e hierarquizadas, ele aprende por tentativa e erro, aprende fazendo. O empreendedorismo é o desenvolvimento de algo que está presente na espécie e só pode ser desenvolvido pela própria pessoa. É algo que vem de dentro para fora.

Mas existem características que marcam uma pessoa com potencial para o empreendedorismo?

As características de um empreendedor são as de um ser humano. Ele é um ser absolutamente normal, usual, corriqueiro, não há nenhum milagre, nada de especial, que não seja humano. Essa é uma discussão vazia e inútil, que está presente na academia. Estamos saindo do Iluminismo, no qual a razão prevalece, e entrando em outra era, que é a da emoção. Não eliminaremos a razão, mas a colocaremos em seu devido lugar. Ou seja, a emoção define o rumo e a razão prepara o caminho, sedimenta, tira os obstáculos e as escabrosidades. O empreendedor é alguém que se deixa emocionar. Por isso que abordar as características é uma discussão vazia.

Quais os principais desafios do empreendedorismo no Brasil, hoje?

O que me preocupa muito é a ligação entre empreendedorismo e combate à miséria. Temos que começar por aí. O que vai colocar o Brasil em um lugar aceitável no concerto das nações é o empreendedorismo de alta tecnologia, de alto impacto, que são as empresas onde há inovação gerando valor. Mas, nos dois extremos, na base e no topo, nós estamos mal, porque não geramos startups na quantidade que podemos. Poderíamos estar muito mais à frente.

Onde está a deficiência?

Falta o Estado entender que a função dele é entrar, criar um ambiente e cair fora. Ele não pode participar do processo empreendedor. Ele não tem dinheiro, é um trapalhão e é corrupto. Empreender e desenvolver um país é tarefa da sociedade civil. Cabe ao Estado criar infraestrutura: sistemas tributário e trabalhista, oferta de crédito, sinalização cultural, dizer “o bom é empreender” e não “o bom é ser empregado”. A sinalização cultural que nós temos, hoje, é um desastre. A filosofia do governo é oferecer emprego, principalmente, público. Mas nenhum emprego público gera riqueza, a não ser as empresas estatais, que são um desastre também.

Como o senhor avalia o cenário atual?

Hoje, a China está dando passos avançados, porque cresceu só 7% no ano passado e agora quer dar uma ênfase maior no fortalecimento do mercado interno, ou seja, qualificando as pessoas para consumir mais. Isso significa dar um upgrade no potencial econômico de cada uma. Já o Brasil vai muito mal nesse sentido. Não há uma sinalização aqui; há somente ações e legislações geralmente voltadas para o controle fiscal e o aumento da arrecadação, o que não são incentivos adequados. Como é que surgem o Vale do Silício, a Itália do meio, como que Israel está bombando? É assim: o Estado cria as condições e solta, sai de lá e não faz intervenções. Isso não existe no Brasil.

Há mais empreendedores de necessidade do que de oportunidade, atualmente?

Oportunidade é quando você vai abordar o mercado e descobre uma necessidade dele, um problema que pode ser atacado de forma estruturada, então, eu acho que esse dado não é animador, a gente não consegue ver isso no dia a dia. Um exemplo de como isso é frágil: eu tinha um jardineiro que era empregado de uma empresa. Um dia, ele foi mandado embora e começou a ser empreendedor, a ter um cliente aqui, outro ali. Se ele fosse pesquisado, perguntariam se o trabalho surgiu por necessidade ou por oportunidade. Ele vai dizer o quê? “Uma oportunidade que eu tive”.

Com base em sua experiência com consultorias, em escolas e universidades, o senhor considera o brasileiro mal preparado para os negócios?

A gente não ouve a palavra “empresa” na educação básica. Ninguém fala nisso, é um termo maldito. No entanto, as coisas existem por causa das empresas. O pior de tudo é que a nossa educação, no Brasil, é fraca, uma das piores do mundo. A nossa melhor educação privada ainda é pior do que a educação pública de outros países. Além disso, não há abertura para o empreendedorismo, pelo contrário. Eu já implementei empreendedorismo em todas as escolas da rede pública municipal de 140 cidades brasileiras. O empreendedorismo depende de toda a sociedade, por isso eu trabalho com cidades ao abordar a educação empreendedora, principalmente, extramuros. É preciso envolver o pai, a mãe, o prefeito, todas as forças.

O efeito desse distanciamento é a resistência da população?

Sim. Cria-se uma resistência cultural na qual as pessoas acham que a única forma de inserção no mundo do trabalho é o emprego, mas ele é uma fábrica de infelizes, uma evolução da escravatura. Se pegarmos a escravatura, colocarmos 200 anos de luta, mortes, sangue e greves, temos o empregado de hoje, cujo DNA é o mesmo. Há desequilíbrio de poder entre empregador e empregado. Quando isso ocorre, deixa de existir uma relação humana. Então, o empregado é um cara infeliz. Por que ele aceita? Porque a ausência do emprego é a maior tragédia que existe na nossa era. Se você não tem emprego, é um desastre familiar e social.

O sentimento de frustração, hoje, é mesmo muito comum entre os empregados...

E tem que ser, né?! Você está em um lugar em que o sonho não é seu, você é avaliado por critérios que não são seus e, a qualquer momento, pode haver uma ruptura (demissão) sobre a qual você não tem a menor influência. A escola não tem consciência disso nem a família ou a sociedade. Elas não percebem que é uma bomba de efeito retardado. É lógico que aos 20 e poucos anos pensamos em arrumar emprego, porque queremos casar ou ser independentes. Aí, essa bomba vai estourar aos 40 ou antes. O jovem vai perceber sua rotina, a inutilidade e a dependência dele, vai ver que a própria vida não tem significado, que ele não buscou os seus sonhos.

Além de professor, o senhor é escritor. A criatividade e a inspiração são ferramentas importantes em um empreendimento?

Essenciais. Mas veja o seguinte: o sistema educacional não considera a criatividade, a emoção, a inovação, não aborda a tolerância à incerteza, não trata dos pontos fundamentais. Dentre aquelas características humanas que eu mencionei, a principal delas é a criatividade, mas, no sistema educacional, não só no Brasil, como no mundo todo, ela decresce. Se a criatividade da criança começa no nível dez na escola, o ponto máximo, ela sai da universidade no nível um. O que importa para o sistema, para a tecnocracia, é você saber operar coisas. A criatividade é a rebeldia, o principal instrumento do empreendedor.

O que pode ser feito para mudar esse cenário?

A pergunta que nos move é “o que você sabe?”. Essa é a questão para a sociedade tecnocrática, operacional. É a pergunta que vem nos perseguindo até hoje, desde quando tentávamos entrar para o ensino fundamental, para a faculdade, para o emprego. Mas a pergunta correta de hoje é “quem você é?”. Essa, sim, é importante. Qual é o seu sonho? Qual a sua concepção de futuro? O empreendedor é alguém que cria o futuro. Nós temos que descobrir nosso talento. E é isso que as pessoas que têm relevância na sociedade conseguiram fazer: descobrir os seus talentos. Quando isso acontece, chegamos na frente e passamos a ser um dos melhores, porque significa que não vai haver cansaço, não vai ser trabalhoso, naquele sentido negativo, e vamos nos dedicar 24 horas por dia, porque estaremos lidando com nossos sonhos. Paixão, sonho e talento: essas são as palavras-chave.
 

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