(Renato Cobucci)
Um esquema de desvio de recursos públicos destinados para a merenda escolar e alimentação em presídios é alvo de uma megaoperação, denominada "Laranja com Pequi", em Belo Horizonte e outras três cidades mineiras, além do Estado do Tocantins, nesta terça-feira (26). A ação conjunta é realizada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em parceria com a polícias Federal e Militar e a Secretária de Estado de Fazenda. Estão sendo cumpridos dez mandados de prisão temporária e 35 de busca e apreensão em residências e empresas. Até o momento, oito pessoas foram detidas e outras duas continuam sendo procuradas.
Segundo as informações do MPMG, o governo de Minas desembolsou cerca de R$166 milhões que deveriam ter sido destinados ao pagamento de refeições para presídios e casas de detenção. A estimativa é de que pelo menos um terço do dinheiro foi desviado ou apropriado pela organização criminosa, o que representa um rombo aproximado de R$ 55 milhões. Além da capital, estariam envolvidas no esquema pessoas de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira; Três Corações, no Sul de Minas; e Montes Claros, região Norte do Estado.
Uma das organizações investigadas pela operação é a Stillus Alimentação Ltda, pertencente a Alvimar Perrella, irmão do senador Zezé Perrella, localizada no bairro Padre Eustáquio, na capital mineira. Na casa do empresário, foram apreendidos documentos, livros e memórias de computadores. O vice-presidente do Cruzeiro, José Maria Queiroz Fialho, também é investigado no caso.
De acordo com o MPE, existe a suspeita de formação de cartel e fraudes em licitações junto às secretarias de Estado de Defesa Social (SEDS), secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) e do Departamento de Estradas e Rodagens (DER-MG), além de prefeituras.
Em Montes Claros, no Norte de Minas, as buscas aconteceram na prefeitura, Câmara Municipal e nas residências de gestores do município. Foram presos o vereador Athos Mameluque (PMDB); a secretária de Educação, Mariléia de Souza; o assessor especial do Gabinete para Convênios e Projetos, Noélio Francisco Oliveira; o ex-secretário de Serviços Urbanos, João Ferro; o procurador da prefeitura, Fabrício Caldeira; e o diretor do Montes Claros Vôlei, Vitor Oliveira.
Fiscalização da Receita Estadual chegou ao apartamento de Alvimar no início da manhã (Foto Renato Cobucci)
De acordo com o Ministério Público, as investigações apontam que a Prefeitura de Montes Claros gastava R$2 milhões por ano com o fornecimento de alimentação para as escolas municipais e, após a terceirização do serviço, passou a gastar cerca de R$12 milhões por ano.
Investigações
O grupo envolvido nas fraudes foi desoberto por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela justiça. Em 2010, a Polícia Federal em Montes Claros instaurou um inquérito para apurar as fraudes. As gravações comprovaram que a quadrilha atua de forma a combinar antecipadamente os preços e condições para fornecimento das refeições para a população carcerária, restaurantes populares e escolas públicas.
Ainda segundo o Ministério Público, o grupo conta também com o auxílio de pessoas especializadas nas rotinas dos pregões públicos, o que restringiria ou dificultaria a participação de outras empresas nas licitações.
Auditores da Receita Estadual, junto com policiais federais e militares, cumpriram mandados de prisão e busca e apreensão em BH (Foto: Renato Cobucci)
Além disso, a empresa contratada, que seria pivô do esquema, passou a receber por aluno matriculado nas escolas e não por aluno efetivamente alimentado, como normas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional (FNDE) determinam.
Os documentos e equipamentos de informática apreendidos na operação passarão por uma perícia para ajudar nas investigações.
Merenda
Em 2010, a PF em Montes Claros começou a apurar denúncia de desvio de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para a compra de merendas e constatou que o esquema também já era investigado pelo MPE. As investigações revelaram que a prefeitura gastava R$ 2 milhões anuais com a alimentação dos alunos, mas contratou a empresa de Vidotti para avaliar o serviço. Em apenas um dia, a empresa afirmou que analisou cerca de 150 escolas e que a merenda era "inadequada".
Nova licitação foi realizada e ganha pela Stillus, o que fez o custo saltar para R$ 12 milhões anuais. A prefeitura também passou a pagar por aluno matriculado, ao invés dos estudantes efetivamente alimentados. Segundo a PF, a apuração revelou "veementes indícios de que a organização criminosa, de longa data, atua efetivamente para fraudar licitações" com a participação de servidores.
A reportagem tentou falar com o advogado Robson Paulo Pires de Figueiredo, que representou Alvimar Perrella em diversos processos na Justiça mineira, mas ele não foi encontrado. A direção do Cruzeiro não soube informar quem representa atualmente o ex-presidente, assim como José Maria Fialho. A reportagem também procurou a Secretaria de Estado de Comunicação (Secom) e a informação é de que o governo ainda estava "se inteirando dos fatos" para poder se pronunciar, o que não ocorreu até o final da tarde desta terça.
*Colaboraram Milson Veloso, Nathália Moreira e Ezequiel Fagundes. Com informações da Agência Estado.