‘Os supermercados não querem participar da crise’

Bruno Porto - Hoje em Dia
05/01/2015 às 06:34.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:33
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Medidas econômicas recessivas, inflação alta e juros subindo. Os ingredientes que formam um cenário adverso para os mais variados setores da economia nacional não são suficientes para abalar o otimismo dos supermercadistas mineiros. Em 2015 serão abertas 70 novas lojas, e são previstos investimentos de R$ 300 milhões. No comando da Associação Mineira de Supermercados (Amis) e com a responsabilidade de fortalecer o varejo mineiro está Alexandre Poni, sócio-proprietário do Verdemar. A entidade projeta crescimento do setor de 2,5% em 2015, uma vez e meia o que projeta para o país, e uma inflação em 6%, com taxa básica de juros acima de 10% ao ano. Da venda de jornal nos sinais, passando pelo aprendizado com a mãe que vendia frangos, Poni agora é o representante do segmento que faturou em 2014 a cifra de R$ 27,7 bilhões.   Qual sua trajetória dentro do setor, como chegou até a presidência da Amis?   Eu nasci no comércio. Meu pai morreu, eu tinha uns quatro, cinco anos, e minha mãe vendia frango abatido na hora no bairro Santo Antônio. Respiro o comércio, é o que eu gosto, está no meu sangue, adoro servir às pessoas. Acho que minha trajetória está muito ligada nisso. Já fiz de tudo, vendi jornal no sinal, vendi jabuticaba na rua, carreguei sacola na feira do Santo Antônio. Tudo o que você imaginar eu fiz para começar a ganhar dinheiro, porque a situação da minha mãe era muito simples. O comércio sempre foi minha vida. Cresci aprendendo com minha mãe, até que, com 17 anos, entrei na faculdade de administração, onde conheci meu sócio atual e um outro sócio que já não está mais na sociedade.   E como iniciou o seu próprio negócio?   Já tinha passado por padaria, a Padaria Cataguases, onde ficam hoje minhas irmãs. Em 1993, começamos com o Verdemar, era uma lojinha na rua Viçosa, onde compramos uma mercearia que tinha lá. Nessa época eram 3 funcionários, hoje são 3.200. Nessa época aprendemos muito com o “Sô Zé”, quando era dono da padaria Big Pão, no Luxemburgo. Nos ensinou muito sobre padaria e até hoje o Verdemar é supermercado e padaria. Nosso foco é esse. É uma vocação de servir e conhecer tendências. Com o tempo, fomos entendo mais como o mercado funciona e para onde ele iria. Hoje a história do Verdemar tem no DNA a gastronomia. Nosso perfil é cada vez mais o de que nosso cliente com um livro de culinária possa entrar na loja e encontrar tudo de que precisa. Gostamos também de surpreender o cliente, de trazer sempre coisas novas a partir de pesquisas sobre a gastronomia ao redor do mundo.   Nos últimos anos o varejo cresceu muito, em um ciclo favorável da economia, com inserção de novas classes no mercado consumidor. Agora, muitos economistas dizem que esse modelo de política econômica se esgotou, que não dá mais para crescer somente com consumo. O governo anunciou alguns ajustes e imagina-se que o consumo não deverá ser mais o motor da economia nacional. Como você enxerga o impacto dessa transição no setor supermercadista?   As pessoas falam que, como trabalhamos com alimentação, não sentimos esse impacto. Mas não é bem assim. Outro dia escutei uma frase do Sam Walton, de quando era presidente do Wal-Mart, de que o Wal-Mart não tinha que participar da crise americana. Eu acho que a nossa rede supermercadista aqui em Minas também não quer participar dessa crise tão anunciada. O varejo vem se adequando a tendências após a ascensão econômica do consumidor. Ninguém vai parar de consumir, mas é lógico que, se houver inflação muito alta com impactos grandes no poder de compra da população, vai ter redução. Existiu nos últimos anos um ganho de qualidade de vida para uma parcela grande da população que não acredito que será perdido. Não sentimos ainda essa redução e acho que não vamos sentir. Além do mercado grande, vivemos um período de emprego pleno e por nisso não vejo o setor ameaçado. Vivemos um momento bacana, com dificuldades, mas ainda em crescimento.   Mas a Amis reduziu sua previsão de crescimento para 2014, de 3,5% para 2,5%...   Mas é porque a gente tem que escutar o mercado, é uma questão de média também. E se existe crise vamos inovar, criar diferenciais, aproveitar oportunidades, mas ainda não vejo isso. Eu não acredito em crise assim. O crescimento de 2,5% mostra isso. Se o PIB crescer 0,5% estamos muito acima disso. Nós passamos por diversas crises, somos o setor que mais sente a inflação, e não é o momento de falar em crise. Os investimentos todos estão mantidos, com novas lojas regionais, mais próximas do consumidor. As lojas estão indo ao encontro do consumidor com essa falta de tempo e correria do dia a dia.    É uma estratégia que deu certo?   Não é nem uma estratégia, é uma tendência, em virtude dos problemas de mobilidade. Fazer as compras mais perto de casa é ganhar tempo. É aí que entra a modernidade do varejo, de estar atento a essas coisas que fidelizam o cliente. Cada rede pensa em atingir um público específico, um tipo de consumo.   E o interior?   Antigamente se ouvia falar de gente se deslocando para cidades maiores para fazer compras. Hoje não se vê isso mais porque os supermercados no interior também enxergaram essa tendência. Redes estão abrindo lojas em cidades menores, mas em Minas Gerais, pelo número de municípios e complexidades regionais, as multinacionais não estão muito presentes no interior, que possui lojas locais muito fortes, com produtos regionais. Cerca de 90% dos associados da Amis possuem menos de 400 funcionários. Esse mercado pouco concentrado nos dá um trabalho redobrado porque são muitas redes pequenas. Isso fortalece as centrais de negócios, onde várias lojas se unem para realizarem compras juntas. Minas tem 54 centrais de negócios, que movimentam algo em torno de R$ 1,6 bilhão.   Essa situação de taxas baixas de desemprego gera para as redes de supermercados, que são grandes empregadoras, que tipo de problema?   Percebemos dificuldades de contratação, encontrar as pessoas, além dos salários que subiram. Somos um celeiro do primeiro emprego, então queremos trazer primeiro emprego e qualificar essas pessoas e criar profissões dentro do supermercado. Hoje temos sushiman nas lojas, pessoal especializado em hortifruti, e outras profissões virão.   Houve, paralelamente ao ganho de renda de grande parcela da população, um enobrecimento das linhas de produtos ofertados? O que você tem hoje, na loja, que antes não tinha porque não vendia?   Sem dúvida, houve. Difícil citar um produto, porque o que ocorreu foi uma melhoria na qualidade dos produtos, que hoje o consumidor pode pagar. Antes pesava muito no bolso. E mais, agora, com o ganho de escala na indústria, nem sempre o produto de qualidade superior custa mais caro.   No longo prazo, qual será a estratégia da Amis em sua gestão?   Qualificar. Trazer inovações para associados, procurar tendências. Esse é o papel do associativismo. O pequeno, para se tornar grande, precisa disso. Temos que estar com uma equipe antenada.

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